Roda de Conversa: Uma conversa sobre audiodescrição nos contextos da escola e da cultura - Transcrição
- projetopeiro
- 20 de dez.
- 56 min de leitura
com o Professor Jefferson Fernandes Alves (UFRN)
apresentação de Anderson Martins
operação de slides de Juliet Castaldello
produção do Coletivo Peirô
TRANSCRIÇÃO:
A tela está dividia em duas, no lado esquerdo Anderson Martins, integrante do Coletivo Peirô, no lado direito o Professor Jefferson Fernandes Alves (UFRN). Anderson inicia a live:
Anderson:
Olá, boa noite, pessoal. Boa noite. Tem gente chegando ainda, mas a gente já vai dar início.
Primeiro, eu gostaria de dizer que é uma alegria receber todos vocês aqui nessa ação do Coletivo Peirô. Eu me chamo Anderson Martins, eu faço parte do Coletivo Peirô, e agora eu vou fazer uma breve auto-descrição. Eu sou um homem branco, de 36 anos, com olhos verdes. Eu sou careca e tenho uma barba preta com alguns fios brancos. Eu também uso um óculos com os aros redondos de cor cinza claro. E eu estou usando uma camisa branca. Ao fundo, atrás de mim, tem uma estante amarela com livros.
Bom, nesse momento, a gente tem a alegria de receber o professor Jefferson Fernandes Alves para elaborar essa conversa com a gente. E esse é um momento que faz parte do projeto cultural Peirô Experimentações em Formas Animadas. Esse projeto conta com o financiamento da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura de Santa Maria. Essa vai ser a nossa primeira ação desse projeto, que ainda vai se desenvolver, que vai rolar, vai ter outras ações ao longo de 2025. E, bom, sejam todos muito bem-vindos.
E agora, então, eu convido o professor Jefferson para que ele comece esse momento que a gente está esperando tanto, então. Obrigado, professor, pela presença, por aceitar o nosso convite. Seja bem-vindo.
Jefferson dá início à sua fala:
Jefferson:
Obrigado, Anderson. E obrigado às outras pessoas que fazem parte do coletivo Peirô por lembrar do meu nome e me convidar. É um prazer estar aqui.
Eu sou um homem branco, de cabelos castanhos lisos e cursos, ligeiramente grisalho. Tenho os olhos castanhos, sobrancelhas grossas, uso óculos de armação de acetato com as lentes redondas e a armação é na cor azul escura. Tenho um nariz grande, boca grande, circundada por barba e bigode. Estou de camiseta preta, no ambiente da minha residência. As paredes atrás de mim são creme, é um amarelinho bem clarinho. Também se destaca uma cortina, quadros, quadro de São Francisco, um desenho colorido de São Francisco e três obras mexicanas de tradição asteca.
O tema que a gente vai conversar hoje tem a ver com a audiodescrição. O título é No Contexto Escolar em Ambientes Culturais. Fiz um recorte, por conta do tempo, para me dedicar um pouco ao campo do teatro, embora as informações que eu trago se apliquem a qualquer experiência, com a audiodescrição.
Esse tema emerge na minha vida, em 2007, 2008, quando fomos pesquisar um espetáculo de teatro, em que sou diretor de teatro em Natal. Estou falando diretamente do Rio Grande do Norte, de Natal. Sou professor da universidade, tenho mestrado e doutorado na área de ciências sociais e educação, e meu pós-doutorado é justamente estudando a audiodescrição em teatro, que é uma das áreas que atuo.
Venho pesquisando há um certo tempo esse campo das artes, da acessibilidade, da deficiência, com ênfase nas artes cênicas. E um dos eixos é justamente a audiodescrição. Participo de três programas de pós-graduação, dois na área de educação e um na área de artes cênicas, aqui na minha universidade, e venho escrevendo e orientando estudos nessa interface, sobretudo no campo do teatro e das artes cênicas, de modo geral.
Então, esse tema emerge na minha vida quando estamos montando o espetáculo-grupo em que participamos, que era um espetáculo experimental, baseado no ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, em que todo o percurso cênico, as pessoas iriam fluir o espetáculo de olhos vendados. E aquilo fez com que a gente se aproximasse do Instituto de Cegos aqui em Natal. Fizemos uma parceria para aprendermos com ele esse universo da cegueira.
Fui estudar um pouco sobre esse fenômeno e me deparei com a emergência da audiodescrição, que ainda estava de forma muito incipiente no Brasil, de modo geral. E isso me conduziu a sistematizar meus estudos em torno disso, no pós-doutorado, em 2011, 2012, e, lá para cá, venho me dedicando a isso, a processos tanto criativos no campo do teatro, e também a processo pedagógico no contexto escolar, que é uma das vertentes que eu trabalho. E resolvi trazer aqui algumas informações básicas para a gente conversar sobre esse tema na perspectiva de sensibilizar o pessoal, as pessoas que estão conosco, da importância dessa pauta da audiodescrição e da própria acessibilidade, de modo geral, quer seja em contextos culturais, quer seja em contextos educacionais.
Então, agradeço muito o convite por estar aqui e vou tentar dividir nossa contribuição em duas partes. Na primeira parte, vou trazer alguns elementos, alguns registros fotográficos e videográficos para ilustrar nossa fala. Em seguida, a gente fica à disposição das pessoas que estão nos acompanhando para fazer perguntas, fazer testemunho, tirar dúvidas e assim por diante.
A gente está com o suporte, o apoio da Juliet, que também faz parte do coletivo. Então, eu peço licença a vocês para que a gente possa projetar o slide que vai guiar a minha intervenção.
Então, o título é um título bem técnico, que é a audiodescrição, conceito, características e procedimentos, justamente para ajudar as pessoas a trilhar esse caminho de como se apropriar desse universo de tamanha importância, não apenas para a pessoa com deficiência visual, mas todas as pessoas que se dispõem a fazer processos de leitura em contextos educacionais, artísticos e culturais, mediante a tradução intersemiótica. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
“O teatro é um acontecimento…
Convivial;
Poiético;
Espectatorial”.
(Jorge Dubatti)
Então, como disse a vocês, eu ia conversar a partir do teatro, muito embora essas categorias que estão postas aí, que já estou projetando – o teatro é um acontecimento convivial, poético e espectatorial – do filósofo do teatro Jorge Dubatti, ele também se aplica à escola. Então, a gente parte da premissa de que o teatro é uma arte do efêmero, do acontecimento, é um evento que tem um dado momento de começar e um dado momento de terminar e ele se caracteriza por três dimensões.
A ideia do convívio, que é a ideia de que a gente tem que estar juntos, participando desse processo, embora as práticas contemporâneas apontem para a presença de exercícios cênicos no campo do virtual, no campo do audiovisual, mas a ideia de estar juntos, estar presentes esses agentes, tanto aquele que encena como aquele que assiste o espetáculo.
O poético é um acontecimento poético porque pressupõe um processo criativo, um processo de construção de um determinado acervo semiótico, de determinadas imagens poéticas, que é a proposta do espetáculo, e tem a ver com fruição, que é a dimensão acontecimento de contemplação, acontecimento de leitura, que é o acontecimento de expectação.
Essas três dimensões é o que caracteriza a básica de teatro. É preciso ter essa presença, é preciso ser um ato criativo, uma comunhão criativa, poética, e é preciso considerar a leitura das pessoas que estão assistindo esse espetáculo. Essa leitura, os espetáculos, as práticas das artes da cena pressupõem a capacidade da pessoa que está assistindo de construir o seu próprio espetáculo. A poética da cena se planifica quando cada um consegue construir a sua própria poética-cena a partir da provocação do espetáculo.
Isso também, para mim, é a ideia que tenho de educação e de escola, de educação escolar. Constrói-se um conjunto de acontecimentos nesse ambiente, que tem um começo e fim. Para mim, essa… [falha na live] fundamental nas relações entre professores e alunos e alunos e alunos. Defendo que é preciso um processo educativo poético, sensível, de invenção, de criação. Basta de processos educacionais, de repetição e de transmissão. Não é essa a educação que acredito. E é preciso apostar na capacidade inventiva dos sujeitos que vão para esse espaço, sobretudo as crianças, os jovens e os adultos que vão na condição de estudante, de que eles possam construir suas próprias poéticas no aprender e no ensinar.
Nesse caso, tanto na escola como no ambiente da cultura, onde ficam as pessoas com deficiência? Como é que eles participam desse convívio? Como é que eles participam do processo criativo? Do processo de expectação, da fruição? Historicamente, essas pessoas são alijadas dos direitos culturais, a educação… [falha na live] ... historicamente, eles eram postos em ambientes segregados. A partir dos anos 1990, a gente vai ter o processo chamado de inclusão, a perspectiva da inclusão. Mas as pessoas com deficiência, aqui a pessoa com deficiência visual, não era convidada para participar. Próximo slide, por gentileza.
Slide com fundo branco onde se lê:
A audiodescrição…
…um acontecimento de transcriação
Tradução intersemiótica: do imagético para/pelo verbal
Então, a audiodescrição vem como um acontecimento de transcriação, que é um procedimento de tradução intersemiótica da passagem do imagético para e pelo verbal, na perspectiva de ampliar, de expandir o teatro, ou os contextos educacionais ou culturais, para que outras pessoas participem, como é o caso da pessoa com deficiência visual, quer seja cegueira, quer seja baixa visão. Embora a audiodescrição se dedique, tenha uma prevalência… [falha na live]... com a interlocução com as pessoas com deficiência visual, hoje se coloca que é para todo mundo, aqueles que desejarem fazer uso desse processo de tradução intersemiótica.
Dessa maneira, o agenciamento da palavra, poeticamente orientado pela obra, permite a comunhão desse encontro, quer seja na escola, quer seja no teatro, quer seja nos ambientes culturais. Possibilita essa ampliação e a participação das pessoas com deficiência, aqui no caso a deficiência visual, sem prejuízo, sem exclusão, permitindo que ele também, a partir do seu lugar, a partir da sua perspectiva, construa, tenha a oportunidade de construir suas leituras e, portanto, construir suas poéticas interpretativas. Próximo slide, por gentileza.
Slide com fundo branco onde se lê:
Teatro e Audiodescrição: afetações mútuas
Teatro: um acontecimento visuocêntrico
Audiodescrição: como um acontecimento de recriação do visual
A AD no teatro: por um acontecimento expandido
Nesse diálogo entre a cultura, a educação e a audiodescrição, entendo que se geram afetações mútuas. Que permitem a ampliação dos modos de viver e estarmos juntos no mundo. Isso é fundamental.
A primeira ideia é que as práticas artísticas, as artes das cenas, os processos educacionais são muito centrados no visuocentrismo, na visão. Há uma prevalência da visão nesse processo de mediação. Sobretudo no teatro. O teatro é uma arte da visão, fundamentalmente. E a ideia é que, com o atravessamento, com a presença da… [falha na live]... como um acontecimento de transcriação, como um procedimento de tradução intersemiótica, que é a passagem do verbo imagético para o verbal, você dilate e expanda a capacidade perceptiva e sensível em relação a essas práticas, que são muito orientadas pela visão e agora podem se abrir para as dimensões mais multissensoriais. E aqui é um detalhe que é preciso considerar, que estamos falando do campo do direito. Não é favor, não é concessão, é direito. Direito ao exercício da cidadania, direito ao acesso à educação e à cultura.
Nesse aspecto, não dá mais para pensar as práticas educacionais, culturais e artísticas centradas, alijando ou secundarizando… [falha na live]... não se enquadram no padrão de normalidade social reinante. Assim, não podemos transformar uma característica sensorial do teatro, das práticas centradas na visão, em preconceito, em capacitismo. Porque o próprio visuocentrismo passa a ser um preconceito na proporção em que você desconsidera outras formas de acessar o conhecimento, de construir processos estéticos de fruição. De tal maneira que já há procedimentos legais que sustentam, que apoiam o direito a acesso às imagens, direito a acesso a extratos culturais, educacionais e artísticos não verbais por meio de procedimentos acessíveis. Um deles é a audiodescrição.
Nesse caso, a audiodescrição e a acessibilidade fazem com que se pense essas práticas de forma expandida… [falha na live]... vai relativizar a própria primazia da visão como o eixo preponderante de apropriação do teatro ou de outras práticas culturais e artísticas. Porque a audiodescrição é esse acontecimento de recriação do visual, não é a reprodução. Não dá para você fazer uma cópia do que está posto no campo do visual para migrar para o verbal, permitindo que a pessoa faça uma transposição literal do imagético para o verbal ou para o mental, que é o caso da pessoa com deficiência visual, vai construir cenas, imagens mentais. Não é isso, é um processo de recriação.
E, assim, a presença da audiodescrição no teatro ou na escola ou nas práticas artísticas permite que esses encontros do humano, em contextos… [falha na live]… quer seja na escola, quer seja no teatro, quer seja na exposição, seja um acontecimento expandido, porque outras pessoas participam. Outros sujeitos historicamente alijados estão agora exercendo o seu direito, exercendo sua cidadania cultural. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
Eixos Orientadores da Audiodescrição
Privilegiar os seguintes elementos: quem, o quê, como, onde, quando.
Personagens - ação - ambiente.
Informar as mudanças de cena com relação a lugar e tempo, entrada e saída de atores; a manifestação da iluminação cênica.
Inserir as informações preferencialmente entre as falas das personagens.
Bem, e aqui temos esses orientadores da audiodescrição para a gente relatar. Antes, eu gostaria de chamar a atenção de que a gente está partindo da premissa, nessa ideia de um acontecimento expandido, subjaz a esse pensamento, a compreensão da deficiência, não como falta, como incapacidade, como compensação por uma ausência biológica ou funcional… [falha na live]... o modo de viver e estar no mundo. São outras formas de compreender o mundo, de interagir com o mundo e viver no mundo. Isso é fundamental porque essa compreensão é relativamente recente e ainda enfrenta processos preconceituosos, que a gente chama de capacitismo, porque ainda há práticas sociais nas diversas esferas que não consideram essa vertente contemporânea de compreender o corpo diferente, o corpo diverso como uma maneira de se estar no mundo. É sempre muito comum atribuir inferioridade ou incapacidade.
Bom, os eixos orientadores da audiodescrição são eixos espaços temporais, que vão estar nas diversas práticas sociais, inclusive no campo… [falha na live]... que a gente privilegia quem, o que, como e quando, que são categorias orientadoras que permitem construir uma estruturação para desencadear o processo tradutório.
No nosso caso, no caso do teatro, que é um acontecimento ao vivo, é uma prática simbólica em movimento, a gente trabalha fundamentalmente com a ideia de personagem, ação e ambiente. Ambiente aqui tem a ver com um ambiente não só físico, mas também com a ideia de um ambiente cênico, que, a partir do ambiente físico, se instaura como encontro simbólico convencional entre o que se propõe apresentar, aqueles que apresentam e aqueles que não apresentam.
É preciso também... Vou já apresentar um pequeno exemplo para traduzir isso que estou falando. É preciso também chamar a atenção de que, nos processos de imagens em movimento, e aí a gente pode enquadrar o teatro nessa categoria, é importante pensar as mudanças de cena, a relação entre o lugar e o tempo, entrada e saída dos personagens e dos atores, e também a manifestação da iluminação cênica, por exemplo, quando é terminada a luz abre, quando ela fecha e assim por diante. E, no processo de construção do roteiro, da constituição da proposta de audiodescrição, é inserir as informações preferencialmente entre as falas das personagens. Essa é a ideia que se coloca. Eu gostaria que passasse o próximo slide para que a gente pudesse dar… [falha na live]...
Slide com fundo branco onde se vê:
Uma foto em preto e branco e logo abaixo a respectiva audiodescrição.
Então, eu trouxe aqui uma fotografia, já uma versão primeira de uma autodescrição dessa imagem. Então, a audiodescrição da imagem:
Fotografia em preto e branco, em formato paisagem. Em um dia claro, uma mulher segura uma flor na altura do rosto, diante de soldados perfilados com rifles, com baionetas, em posição de ataque.
Então, você tem aí o quando, em um dia claro, você tem aí quem, você tem uma mulher segurando uma flor e você tem jovens soldados na parte esquerda da imagem. E aí você aponta também o que está acontecendo, o que ocorre nessa cena, nesse registro… [falha na live]... uma mulher segura uma flor diante de soldados perfilados com rifles e baionetas em posição de ataque. Assim, você consegue ter uma síntese dessas categorias, que é o que, o onde, o quando. Aqui, o onde, você não tem elementos ainda muito claros do onde, mas é em dia claro e parece que é um ambiente aberto.
Nem sempre você vai precisar colocar todas as informações. Vai depender do contexto da audiodescrição. Se for num contexto que exige uma leitura mais rápida, a informação tem que ser o mais sintética possível. Se for num livro didático, você pode até ampliar um pouquinho. Vai depender do contexto em que a imagem está inserida. O objeto da audiodescrição vai estar inserido. Próximo slide, por gentileza.
Slide com fundo branco onde se vê:
A mesma fotografia do slide anterior, agora com outra audiodescrição.
Bem, aí eu trago outras informações da imagem. Eu fiz uma outra versão da audiodescrição:
“A menina e a flor”. Fotografia preto e branco de Marco Ribaud, da jovem Ian Rose Casmi, segurando uma flor diante da Guarda Nacional americana durante uma manifestação no Pentágono, em 1967, contra a guerra do Vietnã.
Então eu trouxe outros elementos. Porque vai depender do contexto. Veja como ela mudou completamente. E ela vai alterar a percepção que nós temos da imagem. Essa versão que eu trago é para mostrar que não há uma versão única de audiodescrição. Vai depender muito de quem faz o texto, de quem faz o roteiro. São as escolhas das palavras.
E assim eu trago esse exercício para mostrar aquilo que está posto na imagem e de informações que pode se agregar à imagem desde que ela esteja dentro do contexto. Então eu fui pesquisar o título da fotografia, a autoria da fotografia, quem é que estava na imagem e o contexto que gerou a imagem. Nem sempre se vai ter esses elementos. E esses elementos só vão surgir se o contexto sugerir, se o contexto permitir. Você vai encontrar muitas vezes a imagem na internet sem esses elementos contextuais. Vai depender, portanto, desse cenário que emoldura a imagem, que emoldura o objeto visual que vai ser audiodescrito. Certo?
É comum você ter… [falha na live]... nas versões de imagem audiodescrita a ideia de começar a audiodescrição, alguns vão ter a descrição da imagem em dois pontos, e ao final, fim da descrição dentro de parênteses. Isso é importante, sobretudo em documentos de PDF aberto, ambientes didáticos, pedagógicos, porque o uso de leitura pela pessoa com deficiência visual, ao passar pela imagem ou pela descrição dela, vai perceber quando começa e quando termina. Então é um exercício de construção de sentido muito importante, fazer esse registro de quando começa e quando termina o processo de audiodescrição.
Então, trouxe dois exemplos de uma mesma imagem com informações que não estão na própria imagem e informações que remetem à própria imagem. É óbvio que você vai ter outras versões de audiodescrição que podem ir para o detalhe. Para detalhe, por exemplo, como é essa moça, de que lado ela se encontra na imagem, como é o cabelo dela, a cor da pele, a que roupa está vestindo, os soldados no lado esquerdo, quais são os detalhes? Você pode até apontar que eles estão enfileirados um ao lado do outro, criando um sentido de profundidade, e que, ao fundo, o ambiente está esfumaçado, o plano de fundo ficou ligeiramente esfumaçado. Então, esses procedimentos podem ser incorporados dependendo do contexto, mas sugiro sempre que você procure trazer os elementos principais do enunciado da imagem para, em seguida, fazer o detalhamento caso haja necessidade, porque, repito, vai depender do contexto. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
Divulgação acessível.
Sinopse e informações sobre o cenário, figurino e atores: notas introdutórias.
Visita tátil ao palco e interlocução com o elenco.
Mesa sensorial.
Produção acessível - mobilização do público com deficiência visual.
Além desses procedimentos da construção do roteiro, as práticas culturais e artísticas, e aqui no caso do teatro, suscitam que é preciso ter divulgação acessível. Se você vai fazer uma produção de uma exposição, de um espetáculo de dança, de um espetáculo de música, de teatro e assim por diante, é importante que se tenha divulgação acessível, para preparar os cards, para preparar os registros acessíveis, para que as outras pessoas, as pessoas que não enxergam principalmente, possam ter acesso. Isso é importante chamar a atenção de que os processos preparatórios de visita à exposição e a qualquer evento cultural já é um elemento de mediação cultural, porque ele vai construir repertório das pessoas que leem.
Então, se eu tenho aqui algum professor, alguma professora que vai levar as crianças e estudantes, jovens estudantes, para algum evento, alguma atividade, é importante assegurar-se se há divulgação acessível, para que ela já pudesse fazer essa mediação antecipada, não é? Sobretudo considerando a presença de crianças e jovens com deficiência, inclusive deficiência visual.
Nas práticas culturais, é importante também ter a sinopse e informações sobre o ambiente e sobre as partes técnicas do espetáculo, sobretudo em teatro, porque não dá tempo, se você não fizer isso antes não dá tempo à pessoa com deficiência de ter acesso a informações que emergem do próprio contato visual que a plateia tem com o ambiente. Então, um dos procedimentos do roteiro, de audiodescrição, é fazer as notas introdutórias, trazendo a síntese da proposta do espetáculo, as informações sobre a parte técnica, figurinos, as roupas, o cenário, que é o que a gente chama de notas introdutórias. Isso também ocorre em outras práticas espetaculares do cotidiano, como casamento, batismo, que já há experiência de audiodescrição nesses ambientes, que é preciso ter uma compreensão antecipada dessa ambiência. Para a pessoa com deficiência visual, aqui é muito importante para ele ter acesso às informações sobre onde se localizam os banheiros, onde estão as saídas de emergência. É importante, em muitos processos de mediação, ter um trabalho com a produção cultural, com a produção no sentido de fazer orientação e mobilidade, para que ele tenha uma noção espacial do ambiente.
Nas práticas artísticas espetaculares também, o processo de acessibilidade agrega à audiodescrição a chamada visita tátil ao palco e à interlocução com o elenco. Isso é muito comum nas experiências no Brasil e no mundo, um processo antecipado de visitação do público com deficiência visual ao ambiente cênico, para ver o palco, conversar com o elenco, tocar nos objetos de cena, ter essa vivência. Isso é algo importante também para os processos educacionais, sobretudo quando as crianças e os jovens vão para museus, vão para alguma exposição que se diz acessível, é importante que essas informações e esse processo de visita tátil não sejam negligenciados, sobretudo, e é uma dificuldade muito grande no caso de museus, em decorrência de que há um conjunto de interdições naquilo que se pode tocar ou não. Mas é algo importante como um exercício multissensorial de fruição essa dimensão da visita tátil. E mais, é algo que as produções antecipam para as pessoas com deficiência, mas é algo importante para todos nós. A experiência tátil é um elemento importante para os processos estéticos de todo ser humano.
Há também as experiências em teatro da chamada mesa sensorial. Além da visita para conversar com o elenco, porque essa visita e a conversa com o elenco é importante em decorrência de que, além das pessoas com deficiência visual terem acesso aos figurinos e conversar, eles vão construindo a identidade das personagens associada à voz dos atores. Ele vai saber, olha, faço tal personagem, minha voz é assim e tal. Ele vai compreender isso assim que o espetáculo começa, ele vai começar a fazer essa identificação.
Uma outra, no caso, voltando à mesa sensorial, é muito comum nos espetáculos que circulam com acessibilidade você ter uma bancada com algumas provocações sensoriais, alguns objetos que reproduzem determinados elementos da cena, que eu chamo até de objetos relacionais, objetos provocadores, e que remetem ao espetáculo. Para as pessoas com deficiência visual, isso é um elemento interessante, que a criança pode ter um elemento provocador sensorial antes do início do espetáculo. Não é que o objeto sensorial vá entregar o próprio espetáculo. Geralmente, a produção de acessibilidade com a produção do coletivo, do espetáculo, define quais são os objetos que podem ser reproduzidos, feitos, objetos de pelúcia, reprodução de algum objeto cênico, para que as pessoas possam ter acesso.
E um outro aspecto é a ideia da produção acessível. Para as práticas educacionais e artísticas e mobilização de públicos com deficiência visual, é importante que se organize a questão do transporte, da mobilidade urbana. Considerada a questão da mobilidade urbana, porque os serviços de transporte público são muito restritos considerando a singularidade da pessoa com deficiência visual. Então, é sempre bom construir uma articulação com os coletivos de pessoas com deficiência visual, e ter na planilha de planejamento do projeto de acessibilidade essa questão do transporte das pessoas com deficiência, porque elas ficam constrangidas, elas têm receio das condições adversas que ainda temos no espaço urbano para o deslocamento delas com segurança. São esses pontos básicos que precisam ser considerados.
E eu gostaria de passar para… [falha na live]... Eu acho que agora vêm os exemplos que estou apresentando. Por favor, Juliet, vamos ver no próximo slide se são os exemplos. Acho que sim. Isso.
Slide com fundo branco onde se lê:
Cartaz Acessivel (link para o cartaz)
Audiodescrição para teatro (tour tátil): (link para o vídeo)
Realização: Dialógica Acessibilidade - Natal/RN
Então, nós vamos ver um cartaz acessível, vamos ver um tour tátil, uma experiência de tour tátil antes do início do espetáculo. Por favor, é curtinho.
abre-se o link do cartaz enquanto a voz de um homem narra a audiodescrição do cartaz.
Locução do Vídeo:
Cartaz com letras brancas e fundo preto com a divulgação do show da cantora Mônica Salmaso. No topo: Ministério da Cultura e Katu Seguros apresentam.
Ao centro foto da cantora do busto para cima. Ele é uma mulher branca, sorridentes, com olhos fechados e uma das mãos sobre a cabeça. Usa blusa bege texturizada e um colar de fios prateados e entrelaçados.
Abaixo, em letras grandes, o nome da turnê: Mônica Salmaso Minha Casa.
À seguir, os ícones de acessibilidade de pessoa com deficiência física, libras, audiodescrição e, em letras menores, as informações de local, data e horário do evento: Natal, 2 de outubro de 2024, às 20h no Teatro Riachuelo.
E a menção de que os ingressos estarão disponíveis na Uhul e na bilheteria do teatro. No rodapé do cartaz, os logotipos dos patrocinadores: Lei de Incentivo à Cultura, Icatu Seguros, Odecasas, Ministério da Cultura e Governo Federal do Brasil.
Jefferson:
Então, aqui você tem uma divulgação acessível na perspectiva da pessoa com deficiência visual. Esse é feito por um coletivo aqui em Natal que se dedica à área de acessibilidade, chamada Dialógica Acessibilidade. Quem está fazendo a locução é o Kim, ele é consultor em audiodescrição, é uma pessoa cega. E que faz esse registro. E é legal perceber que há uma investigação na tentativa de construir uma abordagem mais poética, na escolha da voz, a voz acolhedora, a voz simpática, aveludada, numa dimensão de colocar um registro sonoro agradável por baixo, uma música de fundo que seja agradável, que isso mobiliza sensivelmente já o espectador para a experiência musical, cênica, que o cartaz ou o convite provoca, suscita. Vamos ver agora um registro de uma visita ao espaço cênico de um espetáculo por parte de pessoas com deficiência visual.
Abre-se o link do vídeo da tour tátil, uma voz feminina faz a audiodescrição do vídeo:
Locução do vídeo:
Grupo de pessoas com deficiência visual, caminham pelo palco, guiados. O consultor Kim tateia um bolo cenográfico, agora a espectadora Aninha. O grupo realiza a exploração tátil pela cenografia, toca nas cortinas, nas cadeiras. São acompanhados pela equipe da Dialógica Acessibilidade e pela produtora Carol, que apresenta também os figurinos.
Aninha tateia um figurino preto com plumas coloridas. Destaque nas poltronas do teatro, com a placa reservado à acessibilidade. Recortes de um espetáculo. Os atores cantam, alguns sentados, outros de pé.
Agora em outra cena atravessam o palco. A intérprete de Libras no canto esquerdo sinaliza. Destaque na intérprete, que sinaliza dançando. No centro do palco, as luzes evidenciam a cena. Uma dupla de intérpretes continua a sinalizar, ao fundo, a cena que se passa no palco.
Os atores, cada um, pegam um pedaço do bolo cenográfico e saem. Um dos atores abre escala. De longe, observa-se o público e o palco, que fica na penumbra. Cartaz Clenildes e Clenores.
Jefferson:
Então, aí você tem um registro no instagram da Dialógica Acessibilidade em que há um momento, antes de iniciar o espetáculo, de exploração tátil – na verdade, é verbo tátil, porque a mediação da palavra continua, quer seja pela audiodescritora, quer seja pela produtora do espetáculo, para que as pessoas consigam ir contextualizando o ambiente e os objetos que vão tocando. Essa é uma experiência muito legal.
Como um registro reflexivo sobre isso, eu passei para vocês, deixei com a produção do nosso… [falha na live]... de Carol Nascimento, ela foi me orientando de mestrado, de 2017, em que ela vai discutir a questão do teatro, da audiodescrição como mediação. Ela vai refletir sobre a audiodescrição como mediação teatral. E há todo um estudo, uma preocupação com a questão tátil nesse trabalho dela. Nós levamos o espetáculo para a escola com a audiodescrição, a escola com crianças com deficiência visual. Houve todo um planejamento de acesso aos materiais de cena, ida ao figurino. Optamos em trabalhar com o manequim e com a atriz ao lado do manequim, conversando com as pessoas, com quem estava interessada, pessoas que enxergavam e que não enxergavam, todas elas participando desse processo. E a gente… [falha na live]... de que é uma experiência importante para todo mundo, uma experiência tátil, não apenas como atividade antecipatória do espetáculo, para garantir o acesso às pessoas com deficiência.Próximo slide, Juliet.
Slide com fundo branco onde se lê:
Espetáculo infantil “As Aventuras de Lucas Neto” - Teatro Riachuelo - Natal - 2024
Abaixo se vê duas imagens: à esquerda uma van branca estacionada enquanto um grupo de crianças com deficiência embarcam; à direita uma foto do interior do Teatro Riachuelo, com poltronas azuis e um grupo de pessoas com deficiência visual sendo conduzidos aos acentos.
Aqui você tem, ainda como registro, dois momentos em que a Dialógica Acessibilidade faz o suporte de um espetáculo nacional, As Aventuras de Lucas Neto, que é um teatro infantil, um espetáculo infantil que vem para Natal em 2024 e se apresenta no Teatro Riachuelo. A foto da esquerda é a foto em que, o momento em que as crianças com deficiência estão tendo acesso à van para voltar para o Instituto Educacional em que eles estudam. A foto da direita é… [falha na live]... grande parte das cadeiras centrais do Teatro Riachuelo sendo ocupadas pela pessoas com deficiência, deficiência física, deficiência intelectual, deficiência visual, são conduzidas para o espaço, para o seu espaço, porque é recorrente, é comum nessas práticas espetaculares as pessoas com deficiência visual, ou com deficiência de modo geral, são convidadas a entrar antes para ter acesso ao ambiente, inclusive fruir as notas introdutórias, fruir as notas introdutórias antes de começar o espetáculo, provavelmente, dentro. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
Exploração Verbotátil
Abaixo, duas fotos do público interagindo com os atores/personagens nos bastidores.
Este aqui é o momento da exploração, verbotátil, dos personagens do espetáculo que acabei de falar, de Lucas Neto. É uma sala agregada ao palco, ao teatro, onde as crianças com deficiência visual estão sentadas e estão tocando as personagens que são bonecos, são atores e atrizes que vestem um boneco e com cabeça proeminente. A foto da esquerda é um garoto tocando uma figura, uma personagem que é um sapo, e na foto da direita o Lucas Neto, que é o boneco, a personagem principal da história, é tocado por uma criança que está sentada, enquanto a mãe tira uma fotografia. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
Roteirista: Elabora o roteiro de AD
Locutor: Faz a locução do roteiro de AD
Consultor: Convalida as escolhas tradutórias
Equipe de Apoio: Promove o suporte técnico para a AD
Feito essas informações preliminares sobre os procedimentos e trazendo essa ilustração dos procedimentos que antecedem o espetáculo, que fazem parte do espetáculo, na verdade, no meu entendimento, isso aí expõe a experiência estética para além da própria cena, vamos dizer assim, na medida em que isso vira também uma experiência de construção de sentidos poéticos por parte das pessoas que participam.
Os profissionais que geralmente estão envolvidos na audiodescrição é um audiodescritor roteirista que elabora o roteiro, é o locutor que faz a locução do roteiro de audiodescrição. Você vai encontrar uma certa oscilação entre a expressão locutor e narrador. A Associação de Audiodescritores do Brasil e os profissionais da área optam pela expressão locutor e não narrador. O locutor-narrador pode ser também o roteirista ou o consultor, vai depender do suporte. Se for alguma audiodescrição a ser gravada, o consultor pode fazer essa locução, como é o caso do Kim, que fez o cartaz que eu já mostrei para vocês.
O consultor em audiodescrição convalida às escolas tradutórias, ele tem que ser uma pessoa com deficiência visual, tem que ser uma pessoa formada, capacitada em audiodescrição, como os demais também. É importante garantir essa questão da formação. E você tem a equipe de apoio que está na produção. No caso dos eventos ao vivo, você tem que dar suporte à cabine, que dá suporte ao audiodescritor-locutor. No caso de audiodescrição gravada, você vai ter a equipe que faz a edição, que faz a mixagem. Isso é fundamental para os processos de audiodescrição gravada. Próximo slide, por favor.
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A Formação em Audiodescrição
Bacharelado em Estudos das Traduções
Curso de Extensão
Especialização
Atuação com profissionais mais experientes
Eu trago também informações sobre a formação em audiodescrição. No Brasil, você tem uma vertente formativa que é no campo da universidade, que diz respeito ao bacharelado em estudo da tradução. Várias universidades têm, no campo da linguística aplicada, o curso de tradução. Já há pesquisadores que formam audiodescritores, legendistas na graduação. Você tem uma parte da carga horária da sua formação que você se dedica a esse campo da tradução audiovisual acessível. É a categoria que se chama tradução audiovisual acessível.
Você também tem cursos de extensão dados pela universidade ou por coletivos profissionais que se dedicam a essa área. Você vai ter muito isso nas redes sociais sendo divulgado. Agora, é preciso ter cuidado com esses cursos, porque não basta você fazer curso de curta duração. Isso não habilita você ser audiodescritor. É preciso ter cursos que tenham uma carga horária razoável, robusta e que você tenha a oportunidade de experimentação e de atuar com profissionais mais experientes para depois você pensar em atuar profissionalmente. Não podemos nos submeter, tem muita experiência frágil por falta desse cuidado. Há uma banalização no mercado, na área da cultura, que acha que qualquer pessoa pode fazer audiodescrição. Não é assim. Como também não pode qualquer pessoa que faz legendagem, nem tradução, nem interpretação em libras. É preciso ter clareza com relação ao portfólio desse profissional.
[falha na live]... a informação é a especialização. Já há várias universidades que oferecem a especialização em audiodescrição. Lívia Mota foi uma das primeiras a ofertar, que é uma das principais audiodescritoras do Brasil, por meio da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de fora. Vera Santiago, uma pesquisadora na área de estudo da tradução da Universidade Estadual do Ceará, que é uma referência no Brasil. Ela coordenou uma especialização em audiodescrição. Foi uma especialização pública e gratuita pela universidade, mas geralmente são pagas esses processos formativos. Mas é importante... Aqueles que se querem dedicar a esse campo, é um campo muito promissor, sobretudo quem sai das artes das cenas, quem sai do teatro. Quem tem uma potência de trabalho muito grande, basta estudar, basta se dedicar. Próximo slide, por favor.
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Etapas de uma Audiodescrição
Acesso prévio aos artefatos, ambientes, ou eventos a serem audiodescritos - Estudos e pesquisas sobre a obra ou atividade.
Agora vamos partir para as etapas de como é que se deve considerar, quais são os princípios orientadores para construir o processo de audiodescrição. A primeira é o acesso prévio aos artefatos, aos ambientes ou eventos a serem audiodescritos. Você tem que estudar, você tem que conhecer essa obra ou atividade. No caso do teatro, você tem que visitar o ambiente. Se não consegue visitar, tem que ter fotos, tem que conversar com as pessoas para ter referências sobre esse ambiente. Isso é fundamental. Se uma professora vai construir uma aula de campo com seus alunos, e tem alunos com deficiência, tem que conhecer antes, ver como é o ambiente, para preparar uma audiodescrição mínima do ambiente para que as crianças com deficiência visual, quando cheguem na frente do teatro, na frente do museu, do ambiente expositivo, a professora ou o professor tenha condições minimamente de dizer como é que é essa fachada, como é que é esse ambiente, como é que são os espaços. Isso é fundamental. Próximo slide, por favor.
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Sistematização do roteiro - Várias leituras da obra; identificação dos intervalos entre as falas.
Consultoria - Revisão do roteiro por parte de consultor(a) com DV.
Em seguida, tem a sistematização do roteiro. Depois do processo de várias leituras da obra, você constrói o roteiro a partir daqueles parâmetros que eu chamei a atenção, de tentar ser sintético, de evitar o excesso de informações. E, no caso do teatro, das artes de movimento, considerar a identificação dos intervalos para garantir a inserção da audiodescrição.
Esse processo todo pressupõe o acompanhamento de um consultor, uma pessoa, um profissional habilitado com deficiência visual, para fazer a revisão do roteiro feita pelo roteirista. Geralmente, é comum esse processo se dar simultaneamente, mas também é possível que você tenha um momento separado de feitura do roteiro, depois envia para o consultor fazer as suas observações. As experiências dos coletivos que se dedicam à acessibilidade apontam para o uso da internet, do zap. Eles mandam o material para um colega, que é o consultor que está morando em Porto Alegre, por exemplo, para o roteirista que é da Paraíba, de João Pessoa. Isso é comum, eles vão conversando e trocando para fechar a proposta. Próximo slide, por favor.
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Realização de ensaios de locução para adequar o texto do roteiro ao tempo disponível.
Planejamento da AD - contratação/alocação de equipamentos; organização da equipe de apoio; reuniões com os proponentes.
Depois, você tem o exercício de ensaios, os exercícios de locução, para adequar o texto, o roteiro ao tempo disponível. Aqui estou falando de obras que vão exigir a performance do locutor. Quando é um texto escrito, como é o caso de uma foto que trouxe, esse ensaio não é necessário, embora a revisão é necessária para você saber se as escolhas das palavras são adequadas, sobretudo para fazer essa leitura silenciosa ou a escuta por intermédio do software de voz. Por parte das pessoas com deficiência visual.
Quando é um evento ao vivo, é importante o planejamento para a contratação e alocação de equipamentos, a organização de equipe de apoio e as reuniões com os proponentes. É importante você devolver o roteiro para o grupo, para que ele possa opinar, para que ele possa assinalar alguma inconsistência, reforçar algum elemento. Isso é importante. Esse contato com os contratantes, que a gente chama, os proponentes do projeto artístico, ele também pode se dar desde o início, não há nenhum problema.
O problema de equipamento, o aspecto do equipamento é algo a ser considerado, porque ele tem um custo a ser considerado, porque não é tão barato. Então, geralmente, os coletivos que prestam serviço na área de acessibilidade, já têm seus próprios equipamentos, porque no custo da planilha, o aluguel… [falha na live]... da acessibilidade de uma proposta, de exposição, de teatro, de dança, e assim por diante. Próxima slide, por favor.
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Efetivação da audiodescrição - chegada antecipada ao local; preparação e testagem dos equipamentos; distribuição da equipe.
Recepção pós evento - verificação da AD junto à expectadores com DV.
E aí vem a efetivação da audiodescrição, que tem que chegar antecipadamente ao local, tem que preparar os equipamentos e testar, a distribuição da equipe, quem é que vai fazer o receptivo lá fora para receber as pessoas com deficiência, vai fazer a orientação e mobilidade, caso precise, vai distribuir os equipamentos e tudo isso. Enquanto que o locutor tem que ficar um pouco mais reservado. Nem sempre isso é possível, porque às vezes o locutor também está nas outras tarefas, mas ele tem que se recolher, porque ele vai para a cabine, vai para um lugar mais discreto para fazer o processo de audiodescrição.
E, finalmente, tem a recepção pós-evento, que é a verificação de como a audiodescrição foi apreendida pelas pessoas que fizeram uso dela, sobretudo as pessoas com deficiência visual, para fazer avaliação se o equipamento deu ruído, se foi agradável a voz, se as imagens propostas, as palavras ou o texto ajudaram a construir e acompanhar o fluxo do espetáculo. Isso tudo é importante. Próximo slide, por favor.
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Tipos de Audiodescrição
Pré-gravada - a narração é gravada em estúdio de áudio e, posteriormente, editada e mixada com o som original do produto audiovisual (filme, filme publicitário, outros).
Bom, vocês viram aí as etapas do processo de audiodescrição, sobretudo em ambientes ao vivo, em contextos ao vivo. Agora vêm os tipos de audiodescrição, que seria a pré-gravada, que a narração é gravada em estúdio de áudio e, posteriormente, é editada e mixada com o som original do produto audiovisual, sobretudo artes do audiovisual, como aquele cartaz que acabei de mostrar para vocês, em que aí você tem uma gravação antecipada e depois você tem a junção, a mixagem no produto final. Próximo slide, por favor.
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Ao vivo roteirizada - a narração é feita ao vivo, durante a exibição de um filme, no caso das salas de cinema, ou de um espetáculo teatral, de dança, uma exposição, etc.
Ao vivo roteirizada é o caso do espetáculo, é o caso de um casamento, você pode fazer a roteirização, em que a narração é feita ao vivo durante a exibição de um filme, no caso de sala de cinema ou de espetáculo de teatro, de dança, de exposição e assim por diante. Constrói-se o roteiro naquelas etapas que já chamei a atenção e ela é realizada como acontecimento ao vivo, pressupondo o exercício da presencialidade. Próximo slide, por gentileza.
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Simultânea - narração em tempo real, ao que está sendo apresentado, porém sem um roteiro elaborado anteriormente. Sugere-se levantar algumas informações sobre o tema, as pessoas envolvidas e o evento em questão.
E a simultânea, a narração em tempo real ao que está sendo apresentado, porém sem o roteiro elaborado anteriormente. Sugere-se levantar algumas informações sobre o tema, as pessoas envolvidas e o evento em questão. Isso é muito comum em eventos acadêmicos, que vai ter as pessoas com deficiência visual e o evento acadêmico, o congresso, e precisa ter a autodescrição. Não é um roteiro pré, você tem algumas informações básicas e que são passadas para o locutor. É óbvio que todas aquelas etapas de chegar antes, de ver o ambiente, isso tudo é necessário. É importante ter acesso à produção do evento para saber se tem fotografias dos palestrantes, já para fazer a audiodescrição deles, que nem sempre eles fazem antes de começar a fala. Se tem alguma imagem que vai ser apresentada antes nos slides, para que a equipe faça a audiodescrição, tenha noção disso, para fazer a audiodescrição na hora que o palestrante está expondo os slides, que nem sempre ele descreve as imagens. Então, isso tudo é importante. Próximo slide, por favor.
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Integrada - Audiodescrição concebida como intrínseca ao espetáculo, integrando a composição poética da obra.
Bem, e tem uma outra categoria de audiodescrição chamada integrada. Essa proposta da audiodescrição integrada é quando ela está intrínseca ao processo criativo da obra artística, ou da exposição, enfim, ou do teatro, da dança, que vai se defender à ideia de uma composição articulada e poética da obra. Assim, não haverá, em algumas circunstâncias, não há presença da audiodescrição externa ao espetáculo. Ela já é assumida pelos personagens, já é assumida pelo narrador da própria cena. Então, essa é uma experiência que vem ocorrendo no mundo e no Brasil de construir a audiodescrição organicamente como componente estruturante da poética da cena.
E, nesse caso, é importante chamar a atenção para a potência investigativa, no próprio campo das artes da cena, da audiodescrição. Mas isso não podemos abrir mão – e é o que eu defendo – do profissional da audiodescrição. O fato de que a gente possa ter a audiodescrição organicamente integrada ao espetáculo pressupõe um diálogo processual também com os profissionais da audiodescrição, como se tenha um diálogo com o encenador, com o figurinista , o design do figurino, com a área de sonoplastia, com o design de luz e assim por diante. É importante ter essa presença do interlocutor qualificado em audiodescrição, dos interlocutores qualificados em audiodescrição, para desencadear esse processo criativo em que há… [falha na live]... intrínseca à proposta cênica ou ao objeto artístico em questão.
Essa proposição de audiodescrição integrada caminha muito com a perspectiva da chamada audiodescrição poética, a chamada audiodescrição poética, que é uma proposição de mau acento à dimensão criativa da audiodescrição. Quando digo mau acento é porque a audiodescrição, sobretudo no campo da cultura e da arte, como ela se orienta pela própria natureza do objeto cultural ou artístico, tem que garantir essa poeticidade e essa dimensão estética. Mas já há audiodescritores e pesquisadores que se desencadeiam nesse campo defendendo a ideia da audiodescrição poética. Isso gera um debate rico e acalorado em torno dessa designação, recorrente de que a audiodescrição, como processo de transcriação, por natureza deveria ser também um processo criativo. Mas já há pesquisadores que procuram avançar nessa dimensão, na perspectiva de uma poeticidade que emerge da audiodescrição, na fricção com a cena, com o objeto artístico. Próximo slide, por gentileza.
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Vídeos de espetáculos - Exemplos II
É proibido miar (teatro) - MA Companhia - Teatro, Dança e Assemelhados - Porto Alegre/RS - (Link do vídeo)
Três encontros com a alegria (vídeo teatro) - (Link do Vídeo)
Asab (vídeo dança) - (Link do Vídeo)
Do outro lado do avesso (vídeo dança) - (Link do Vídeo)
Só se fechar os olhos (Desvio Padrão - São Paulo) - (Link do Vídeo)
E aqui eu trago alguns exemplos para a gente ir caminhando para o termino da primeira fase, para ilustrar algumas partes que eu indiquei aqui. O primeiro espetáculo que está posto aí é Proibido Miar, de Porto Alegre, em que todo o espetáculo foi concebido com a presença da audiodescrição desde o início, organicamente integrado à cena, que é o que a gente chama de audiodescrição integrada. Então, não apenas a audiodescrição, mas também a libras. Então, são experiências que vêm ocorrendo na cena, no teatro, e que eu acho bem emblemática essa experiência do teatro infantil. Eu gostaria que a gente visse um fragmentozinho. Eu vou ficar aqui de lado, porque a minha imagem vai ficar do lado, para que a gente possa dar uma paradinha.
[Abre-se o vídeo de um trecho do espetáculo “É proibido miar”, da MA Companhia, de Porto Alegre/RS. No vídeo, que está legendado em português, um grupo de 4 atores estão no palco de frente para a platéia, enquanto falam também usam a linguagem de libras para se comunicar]
Transcrição da peça em vídeo:
Atores: Boa tarde!
Público: Boa tarde!
Atores: Oi!
Público: Oi!
Ju: Eu sou a Ju, e do meu lado, da esquerda para a direita, está a Joana.
Joana: Oi, eu sou a Joana.
Ju: E do lado da Joana está o Doug.
Doug: Oi, eu sou o Doug.
Ju: E do lado do Doug está a Lari.
Lari: Oi, eu sou a Lari. E aí, gente, tudo bem? Olha só.
(todos falam ao mesmo tempo tentando fazer sua própria audiodescrição, grande confusão, eles gritam, puxam a Joana e pedem que ela os ajude, até que Joana, no centro do palco chama a atenção de todos.)
Joana: Chega! Parou! Todo mundo, no centro do palco, de frente para o público. Agora! (público ri) É aqui. Isso aqui que eles estão tentando fazer é audiodescrição. Vocês sabem o que é audiodescrição? Não! Eu vou explicar. Audiodescrição é um jeito especial de explicar tudo que pode ser visto para pessoas com deficiência visual. E eu estou tentando acompanhar aqui com alguns sinais, alguns gestos, mas está bem difícil porque eles estão fazendo tudo junto, dá uma confusão só. Mas eu vou explicar melhor. Nessa peça, nós, os atores, vamos usar a audiodescrição que vocês já sabem o que é e também alguns sinais que formam a base da língua brasileira de sinais, a Libras. E vocês sabem por que a gente vai usar tudo isso aqui? Ah! Porque aí, na plateia, tem pessoas cegas, surdas, altas, baixas, gordas, magras, negras, brancas, tudo junto e misturado. Mas ó, um aviso muito importante. Nós não vamos transformar para Libras toda a audiodescrição. Entenderam? Ah! Como a maioria entendeu, a gente vai continuar. E quem não entendeu, presta atenção! Agora pode continuar, Ju. Ah! Com calma.
Ju: (fala muito lentamente) Boooa taaaarde! Sejam bem-vindos ao Teatro do Sesc Porto Alegre. Nós estamos no centro do palco, de frente para vocês, e as luzes estão acesas. Logo atrás de nós está o cenário, que daqui a pouquinho a gente vai descrever para vocês. Vocês estão sentados na plateia e as luzes estão apagadas. Nessa plateia tem 270 lugares e todas as cadeiras são pretas. O chão é forrado com carpete cinza e azul, as paredes são azuis e o teto é branco. E nas paredes da esquerda e da direita está escrito num quadro bem grande e prateado “Fecomércio, RS SESC”.
Lari: Ah, e como vocês puderam perceber, as cadeiras são bem fofinhas, que é para vocês ficarem bem à vontade.
Doug: É, não tão à vontade, tá? Não é para soltar pulo nas cadeiras, né, gente? Sem pulo, né? Combinado, sem punzinho na cadeira. Ó, é importante dizer que não é só a gente aqui em cima do palco. Atrás de vocês e bem no centro fica a janela que dá para uma salinha que é onde fica o pessoal que opera a luz e o som do espetáculo. E eles ficam o tempo todo de olho na gente. Vamos dar um oi para eles lá em cima. Oi! (público também dá oi.)
Ju: Case! Aproveita e acende uma luz bem forte, amarela, aqui no palco (luz acende). Boa! Agora, para vocês terem uma ideia do tamanho do palco eu vou medir, ele em passos.
Lari: É passo de formiguinha ou passo de elefante?
Ju: O que é que tu acha?
Joana: Eu vou medir a Ju. Pelo tamanho da Ju, cada passo dela deve ter mais ou menos um metro.
Doug: Ah, é passo de elefante.
Ju: (medindo o palco) Do fundo para a frente temos um, dois, três, quatro. E da esquerda para a direita um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete.
[O vídeo é interrompido neste ponto.]
Ah, eu sei que eu tirei o doce da boca de vocês, mas aí vocês continuam assistindo individualmente, porque a equipe vai deixar os slides e vocês têm acesso ao link. Eu gostaria de chamar a atenção, nesse espetáculo, vocês observem aí que eles fazem as notas introdutórias dentro do próprio espetáculo, no tamanho do palco, eles vão falar sobre o figurino, então eles substituíram a visita tátil por essa performance das personagens, na verdade, dos atores e atrizes, na parte introdutória do espetáculo.
As próprias notas introdutórias, a exploração do ambiente cênico e do ambiente físico passam a fazer parte organicamente do espetáculo. Do ponto de vista das teorias teatrais, eu venho sempre apontando que isso é um procedimento brechtiano, que, lembra que eu falei do diálogo entre o campo da audiodescrição de teatro, como é que há afetações, então é um mecanismo, aqui um mecanismo lúdico, que constrói esse distanciamento em que as crianças são convidadas a desnudar a estrutura, o andaime da cena teatral, conhecendo suas partes como parte da própria encenação, isso é algo interessante. Agora, é importante chamar atenção no que se refere à audiodescrição integrada, não só desse espetáculo, mas de outros, é que ela não é um consenso no sentido da sua capacidade de construir a potência da fruição das pessoas com deficiência. Por quê? Deficiência visual. Porque às vezes a opção no processo cênico retira determinadas informações que estão no ato do convívio e que não chegam para a pessoa com deficiência visual.
Por exemplo, há determinado deslocamento dos personagens, dos atores em cena, e que isso é estruturante para a compreensão e nem sempre é opção por parte da encenação de colocar na narrativa. Então, os cortes, determinados cortes que tem, podem concorrer com uma fruição prejudicada por parte da pessoa com deficiência visual que está, no momento, assistindo o espetáculo. Então, ainda há necessidade de estudar cada espetáculo, cada proposta, em função dessas possibilidades ou não de garantir a plena fruição da pessoa com deficiência visual. Então, eu mostrei para vocês um exercício legal de pensar a audiodescrição integrada. E aqui, uma proposta mais avançada ainda, porque estava articulada com o Libras.
Eu vou mostrar agora Três Encontros com Alegria, rapidinho, que foi um exercício, é um videoteatro de… [falha na live].. e hoje ela está fazendo mestrado comigo, é uma audiodescritora profissional nossa, aqui de Natal, em que ela faz a sua primeira experiência pública de audiodescrição de espetáculo teatral. Por favor, ela encena o espetáculo e ela produz a parte de audiodescrição. Ela é a diretora do espetáculo. Três Encontros com Alegria.
[Inicia o video, tela preta.]
Locução:
Nota de abertura. Camila Maria interpreta a personagem Ana. Ela é uma mulher branca, com cabelos castanhos curtos na altura dos ombros. Tem olhos pequenos, marcados e delineados pela maquiagem escura. Usa blusa bege com estampa de grafismos vermelhos, saia jeans e sapatilhas. No palco, à esquerda, uma mesa com toalha branca, algumas xícaras, pratos e uma cadeira. À direita, um baú beige. Uma iluminação azul incide sobre o palco e se espalha pelo chão.
[aparecem as seguintes logotipos:]
Lei Aldir Blanc, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal. Três encontros com a alegria.
(Luz azul e branca no palco, entra a atriz)
Locução: Ela entra, põe o saco sobre a mesa e tira a máscara.
Atriz: Eu só tinha ido comprar pão. Como fazia todos os dias.
Locução: Caminha.
Atriz: E ela estava lá.
Locução: Pára em posição frontal.
Atriz: Segurando um cofrinho.
Locução: Olha para as mãos juntas, na altura do peito.
Atriz: Era um porquinho.
Locução: Olha contemplativa.
Atriz: Sim, sem dúvida era um porquinho. Ao lado haviam outros, em outros formatos. Ovelha, vaca.
Locução: Está sorridente.
Atriz: Era uma menina linda.
Locução: Cabisbaixa, move-se em um lento balançar.
Atriz: Parecia intimidada com as pessoas que passavam e nem lhe davam atenção. Mas ela não desistia de perguntar.
Locução: Com as mãos em concha à frente do peito
Atriz: Quer um, senhor?
Locução: Insinua com o olhar.
Atriz: Quer um, senhora? Às vezes ela nem levantava a cabeça.
Locução: Ergue novamente as mãos.
Atriz: Só mostrava o seu cofrinho.
Locução: Entrelaça os dedos e os fecha em concha.
Atriz: Quando foi minha vez de passar
Locução: balança o corpo suavemente.
Atriz: Ela parecia cansada de tantas pessoas que passavam e nem falavam com ela.
[neste ponto o vídeo é interrompido.]
Então, colegas, vocês viram, então, aqui nesse exemplo que a encenadora e a audiodescritora Kelly optou em fazer notas introdutórias numa tela preta, numa ambiência introdutória e foi muito reduzido, bem resumido, para que preparasse o fruidor com e sem deficiência visual para o espetáculo em seguida. Vocês viram que o registro da audiodescrição se dá entre as falas da atriz-personagem. Kelly Juliana, ao olhar para o trabalho hoje, diz que faria completamente diferente. Você veja como é um processo de aprimoramento das versões. Não há uma autodescrição única em relação a isso.
O que avalio com ela, conversando com ela, foi que ela poderia ter avançado numa escolha de um registro de timbre que não foi muito parecido com a atriz, para dar um colorido. Havia uma opção em relação à locução para ser uma mulher, para garantir esse registro de gênero, porque a temática traduzia esse fenômeno, apontava essa questão de gênero, de tensionamento em torno da condição de mulher, mas o registro do timbre é muito próximo uma da outra, e isso poderia ser explorado do ponto de vista estético com outro registro de timbre para dar maior brilho ao processo de conjunção entre o registro vocal da atriz e o registro vocal da locução. Bom, esse foi o segundo exemplo.
O terceiro exemplo que trago para vocês é na área de dança, para mostrar também esse percurso de investigação entre o campo das cenas e a audiodescrição, de como isso pode provocar potências investigativas em favor de uma poeticidade, em favor de um cuidado sensível com a palavra que vai embalar, que vai dialogar com a cena e com a própria dança. Por favor, o espetáculo Asab.
[inicia o vídeodança ASAB]
Locução:
Recomendamos o uso de fones de ouvido. Patrocínio Lei Aldir Blanc, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal. Realização: Jatobá Filmes.
Apresentam: Asab. Cruzar em Tupi Antigo.
Duas telas. Na tela esquerda, um homem branco de barba grisalha e moletom preto com capuz. Na tela direita, uma pessoa de malha de tricô vermelha e gola alta lava as mãos A gola esconde o rosto. O homem deita-se no chão. Dá uma cambalhota, apoia as mãos no chão e sobe em uma cama. Fica de ponta cabeça. A pessoa com gola alta ainda esconde o rosto. Está frente a um espelho. Toca o reflexo. O homem é Vile. De ponta cabeça, estende a mão para nós. A pessoa com rosto escondido continua a tocar o espelho. Pessoa e reflexo se confundem. Vile levanta e vai até a janela. Abre as cortinas. Tira o capuz. Vile é careca. As cortinas dançam com o vento. A pessoa com camisa de gola alta se afasta do espelho. Vile recoloca o capuz. Desloca-se pelo quarto. Quer ficar de pé, mas escorrega. Ampara-se na cama. Ainda com o rosto escondido pela gola, a pessoa se contorce. Tenta se livrar da malha de tricô que a aprisiona. Vile está no chão. Se agarra uma grade. Se arrasta pelo piso. Em um corredor, a pessoa de rosto oculto ainda luta contra a malha de tricô. Debate-se. Vile está agachado sobre um piso de ladrilhos decorados. Uma faixa de luz do sol invade o ambiente. Vile ancora-se com as mãos no chão e explora veloz os ladrilhos. Finalmente a pessoa consegue se livrar da malha. Seu rosto, contudo, ainda está oculto. Coberto por um lenço com estampa de borboletas. Vile permanece ilhado no piso decorado. Os ladrilhos lhe servem de palco. Gira veloz, tenta se lançar em um salto. Atira-se no chão. Ergue-se. Fica de joelhos. Reclina para trás. Gira mais e mais. A pessoa com o rosto oculto esfrega-se em uma parede com desenhos e colagens. Vile, pés e mãos apoiados no chão. Vai até um sofá. Deita-se. Tenta abrir o zíper do moletom. Escorrega, cai no chão. Dá um giro. Volta para o sofá. O moletom está aberto. Estica-se, joga os olhos…
[neste ponto o vídeo é interrompido]
Eu peço desculpas, tirei novamente o pirulito da boca de vocês. Então, no campo da dança a presença da audiodescrição é mais complexa por conta do dinamismo que são os movimentos corpóreos… [falha na live]... da cena, inclusive no campo da dança contemporânea. Mas eu trouxe esse fragmento, e coloco o link a disposição para que vocês possam ver na íntegra, porque eu acho que é um exercício interessante do Teatro Cerejeira e da equipe dele de construir uma audiodescrição mais organicamente vinculada à proposta cênica, coreográfica da dança. E mais, uma coisa interessante é que quem faz a gravação é um audiodescritor consultor do Teatro Cerejeira. Que é uma experiência muito legal que tá acontecendo no Brasil, eu não sei em outros países, mas os próprios consultores estão fazendo a gravação da locução de obras audiovisuais. Aí é fácil, é possível fazer, fácil nem sempre, mas é possível fazer a convergência do áudio com imagem.
E eu repito que ficou muito interessante a provocação do Thiago, com a voz criando uma relação de intimidade conosco que escutamos, sobretudo esse tipo de experiência pressupõe o uso de fones, o que ajuda muito. Essa voz aveludada do Thiago nos aproximando e, quase confidenciando o movimento corpóreo dos artistas é uma experiência estética muito sensível, na minha avaliação. E eu trouxe esse exercício por conta disso, desse desafio que é colocado hoje para os profissionais de audiodescrição, os consultores que estão desencadeando experiências no campo da locução, muito férteis.
Como forma de subsidiar a reflexão de vocês, eu também trouxe a tese de doutorado de Thiago, que fez conosco, em que ele vai discutir a audiodescrição como performance, a dimensão da audiodescrição poética e a presença do audiodescritor consultor como autor do processo audiodescritivo. Está disponível para vocês, caso tenham interesse de aprofundar seus estudos nessa área.
O outro registro em Dança é também de um coletivo aqui de Natal, em que o próprio grupo vem experimentando a audiodescrição do seu trabalho como uma dimensão poética organicamente ligada à própria cena. Por favor, Juliet, Do Outro Lado do Avesso.
[inicia o vídeo-dança Do outro lado do avesso:]
Locução:
(enquanto aparecem as logos de realização do projeto)
Bom dia, boa tarde, boa noite galera! Hoje eu vou ser o seu guia nessa expedição. Vou acompanhar vocês em uma viagem para o Outro Lado do Avesso. Vou dar dicas e palpites sobre o universo do avesso, fiquem atentos e vamos simbóra nessa!
(aparecem 3 bailarinos sentados em um fundo branco)
Estes são Roseane, Jânia e Renê. Os três estão sentados um do lado do outro em infinito branco. E vieram diretamente da cidade do Natal no estado do Rio Grande do Norte, Nordeste Brasileiro. Mais precisamente, na latitude 5° 47 minutos e 42 segundos Sul, e na longitude 35° 12 minutos e 34 segundos Oeste. Os três foram transportados para um universo chamado Avesso. Onde tudo é um grande vazio. Todas as pequenas sutilezas se transformam em grandes gestos. Juntos, Roseane Jânia e Renê estão desbravando este novo jogo dentro deste universo infinito. Roseane está sentada na lateral esquerda. Ela é uma mulher preta, tem 1,70m de altura, tem um coque despenteado em seus cabelos cacheados e escuros e está vestindo uma calça e duas camisas sobrepostas. Tudo em tons de vermelho No meio está Jânia. Jânia, assim como Roseane, é uma mulher preta. Jânia é uma mulher preta com nanismo. Nanismo é a mutação genética que afeta o crescimento do osso. Jânia tem 1,15m de altura. Duas tranças com detalhes vermelhos no cabelo e veste calça e camisa em tons de azul. Na lateral direita está Renê. Renê não é uma mulher preta e nem com nanismo. Renê é um homem preto. Mede 1,72m e tem cabelos e barbas raspados. E assim como Roseane, veste uma calça e duas camisas sobrepostas. Porém, em tons de amarelo. Agora que já conhecem bem os movimentos de colocar as mãos nos joelhos e no chão do infinito, os três se empolgam e começam a ir fazendo mais rapidinho, quase como uma máquina. Máquina é um dispositivo que utiliza energia e trabalho para atingir um objetivo pré-determinado. Eles param e fazem o movimento juntos, agora bem sincronizados. Roseane, Jânia e Renê já entenderam mais ou menos como seus corpos se comportam nesse novo universo e buscam outros modos de se mover. Os três agora empurram seus joelhos para baixo e percebem que os joelhos empurram suas mãos de volta para cima. Ai, que legal! Empurram para baixo e os joelhos empurram de volta para cima. O olhar de cada um deles vai acompanhando atentamente as novas descobertas.
[neste ponto o vídeo é interrompido]
Então, vocês aí dão uma passadinha lá no link para continuar assistindo… [falha na live]... Vocês escutaram também como o grupo procura expandir os próprios limites ou as características da audiodescrição para pensar nessa palavra que dialoga com a cena ou até mesmo cria a sensação de estar guiando a própria cena coreográfica na medida em que ele vai narrando os desenvolvimentos corporais dos intérpretes numa sintonia entre a partitura corporal e uma partitura verbal. É óbvio que aqui ele expande a ideia de audiodescrição, talvez o que esteja posto aí seja um fundamento da audiodescrição não necessariamente a audiodescrição por mente dita, mas é algo fértil a se investigar não estou dizendo que substituiria a audiodescrição mas é algo fértil a se investigar essas possibilidades de fricção entre a cena e a audiodescrição… [falha na live]... temos uma potência muito grande de investigar esses campos que dialogam. É importante, nesse aspecto de estudos, sempre ouvir como é que isso é recepcionado pela pessoa com deficiência, para verificar a capacidade dela de construir essa poética da cena por ela mesma como autor dos próprios espetáculos mentais, como diria Jacquin Cielo, que “o espectador é aquele que constrói uma poética da cena por si mesmo, na sua própria mente”.
Outro exemplo que trago é nessa direção também da investigação da potência cênica, da potência inventiva da audiodescrição. É o coletivo São Paulo, “Só se Fechar os Olhos”, o coletivo é Desvio Padrão, e ele constrói um espetáculo centrado na audiodescrição. Por favor, vamos fruir o espetáculo.
[inicia o vídeo]:
Locução:
Uma sala de teatro, as paredes são pretas e o piso está completamente coberto com linóleo preto.
No centro da cena, duas mulheres de aproximadamente 2,15 m de altura estão iluminadas por parcos feixes de luz. Os cabelos estão penteados para cima, formando um grande volume sobre a cabeça. A mulher da esquerda tem os cabelos e as sobrancelhas brancas e os olhos esfumados em branco e dourado. A da direita tem os cabelos e sobrancelhas pretas e olhos esfumados em preto e dourado.
No fundo, à esquerda, dois homens-pássaros com corpos pretos e bicos coloridos sentados em bancos pretos. Um toca um violoncelo, o outro segura uma viola caipira.
Escuro Total. Abre-se um foco claro de luz. Duas mulheres, uma à esquerda, outra à direita, de olhos fechados e braços abertos, lentamente, movimentam punhos e dedos, flexionam os cotovelos e, com as costas das mãos, esfregam os olhos.
Sincronizadas, dão um passo à frente com um dos pés. Espreguiçam-se. Bocejam. Caminham, cruzando uma diante da outra, em X. Apanham delicadamente longuíssimas vestes, uma branca, a outra preta. Camadas sobrepondo texturas, golas altas e um ar heráldico. Curvam a cabeça, agarram a veste pela base acumulando metros e metros de tecido nas mãos e vestem. O tecido escorre pelo corpo delas. Por dentro, elas puxam, puxam, puxam, puxam, até que a cabeça apareça pela gola.
[neste ponto o vídeo é interrompido].
Lamento, mas repito, vocês podem fazer a fruição na íntegra a partir do link que eu deixei, que está disposto nos slides. Então, esse espetáculo, pensado para ser ouvido, não para ser visto, traz a potência imaginativa criadora da audiodescrição. Todo espetáculo é construído para ser imaginado, não para ser visto, para ser construído mentalmente, a partir da provocação sonora. O grupo foi muito cuidadoso com a proposta. O texto é de Edgar Jacques, um ator e dramaturgo cego que se dedica e é consultor… [falha na live]... junto com o grupo, resolveram fazer essa provocação. Inclusive, iriam realizar no teatro essa experiência, essa experiência de dança que se orientaria pela apreensão sonora. Mas a pandemia frustrou a experiência e eles tiveram que fazer como uma videodança.
Eles me chamaram para ser uma espécie de consultor, apreciador, na verdade, da proposta, antes mesmo da estreia. Depois assisti uma segunda vez. No grupo, há um profissional da área da música que fez um estudo sobre a questão da sonoridade, como seria a distribuição no espaço do teatro das caixas de som, como foi feita a mixagem para garantir o deslocamento… [falha na live]... de uma caixa para a outra. Infelizmente, não foi possível realizar no exercício da presencialidade. Fizeram virtualmente, mas pediram que a gente fruísse com headphones, com fones de ouvido, e você percebia muito bem essa passagem dos instrumentos, da voz de um microfone, de um receptor para outro, de uma orelha para outra, de um ouvido para outro. Isso foi muito interessante, foi muito bem construído pelo grupo.
Isso gerou uma reflexão que fizemos e publicamos, o grupo e eu, que acabei não colocando aqui a disposição de vocês. Vou mandar aqui para a produção do evento, as colegas e o colega, para que vocês possam ter acesso a esse texto que escrevi, porque me impactou profundamente a proposta sobre essa questão da escuta, da audibilidade. Eu faço essa discussão da audiodescrição pelo registro do audível, como é importante esse cuidado com a escuta, com a estética da escuta, inclusive nas práticas artísticas.
Eu trouxe esse registro para mostrar a potência investigativa e criativa desse diálogo entre os campos da audiodescrição e das artes da cena. Isso também pode ser feito na realidade escolar. A dissertação do mestrado Teatro Cerejeira foi justamente trabalhando o registro sonoro como prática teatral no contexto escolar, que ele vai chamar de peça sonora. Como pensar os processos criativos no campo do ensino do teatro, do ensino de arte em modo geral, a partir de uma presencialidade que seja não pela visão, mas pelo processo da escuta. Próximo slide, por favor. A gente já está encaminhando para a parte final da nossa interlocução.
Slide com fundo branco onde se lê:
O Desafio da Expansão do Encontro
Para além da falta, da incapacidade, da pena e do favor.
O reconhecimento intersubjetivo do outro e das diferenças.
Emergência de novas formas de percepção, de novos modos de produção de conhecimento.
A deficiência como estética de perceber e valorar o mundo.
Quais são os desafios que a gente tem? E aqui eu trago uma outra imagem da ideia do teatro como arte do encontro, que é o nosso encenador Grotowski que vai sugerir essa compreensão do teatro como arte do encontro. E o próprio contexto escolar também cria esse exercício da arte do encontro, em que a compreensão da deficiência ou do outro que rompe com a monormalidade não pode ser pautada na falta, na incapacidade, na pena e no favor. Não é essa a perspectiva que tem a ver com a questão dos direitos. Direito de se expressar, direito de criar, direito de ler o mundo de várias formas, inclusive utilizando a audiodescrição.
É importante que se reconheça nessas relações do encontro, que seja no teatro, que seja na escola, que é o reconhecimento intersubjetivo do outro e das diferenças, como a constituição do humano. Isso é fundamental.
E aqui é preciso chamar a atenção de que as práticas artísticas ou pedagógicas não podem se orientar pela ideia da superação, de como se estivéssemos fazendo processos acessíveis para o outro. Não, isso é capacitismo. É uma construção necessária para o humano em que todos possam estar juntos.
Como diz o espetáculo, “é proibido miar”: todo mundo junto e misturado. Que é da condição do humano, quer seja nas práticas educacionais, quer seja no cotidiano, quer seja na política. Estamos exercitando a capacidade de nos inventarmos cotidianamente, de inventarmos pela metáfora, pelas imagens, que é no campo da arte, para sermos pessoas melhores, para lutarmos contra a própria barbárie que habita a gente, e ela se materializa muito no nosso preconceito.
Esse encontro entre a audiodescrição e os campos das artes e da educação podem emergir novas formas de percepção, de novos modos de produção do conhecimento. Isso é algo importante a ser considerado. Vocês viram aqui vários exemplos dessas práticas artísticas que são friccionadas pelo campo da acessibilidade. E há uma coisa importante a ser considerada, que no universo da acessibilidade, e, portanto, da audiodescrição, é importante considerar a deficiência como estética de perceber e valorar o mundo.
Se a gente parte da premissa de que a deficiência orbita em torno de formas próprias de ver e encarar o mundo, de perceber e de expressar o mundo, ela tem uma potência que não está pedindo favor. A pessoa com deficiência não está pedindo favor para se expressar. Ela necessita e exige esse espaço da expressão. E nós que operamos no campo da arte e da educação temos que construir campos mais solidários e mais dialógicos para que estejamos juntos. Isso é uma característica do teatro, essa arte de convívio e do encontro. Próximo slide, por favor.
Slide com fundo branco onde se lê:
“Vivemos numa ditadura ocular, em que a visão domina os outros sentidos. Não quero ser escravo das imagens alheias.”
Evgen Bavcar
(07/08/2003, em entrevista ao GLOBO).
E eu termino essa primeira fase da nossa conversa para a gente dialogar trazendo um filósofo e fotógrafo cego, Eugênio Balcar, que diz que “vivemos em uma ditadura ocular, em que a visão domina os outros sentidos, não quer ser escravo das imagens alheias”. Então, esse é um registro, uma denúncia muito emblemática para que a gente possa pensar que as práticas de acessibilidade, as práticas e os exercícios do encontro pressupõem uma troca, afetações mútuas, em que eu não esteja necessariamente ensinando, mas talvez e certamente aprendendo com o outro outras formas de ser e estar no mundo. Isso vai fazer com que a gente pense, desloque a dimensão etnocêntrica ou eurocêntrica, neocolonialista, das nossas práticas em favor de uma ecologia de trocas mais horizontais, em que a gente saia do nosso centramento da vidência, da tirania desse olhar, em favor de uma aprendizagem que se dá a partir da provocação do outro.
Eu acho que é isso. Por agora, muito obrigado.
E aqui eu deixo o meu e-mail: jeffersonfernandes248.@gmail.com
E vamos abrir, então, agora para as conversas, para a segunda parte do encontro.
[novamente abre uma segunda janela na tela, Anderson está de volta.]
Anderson:
Nossa, Jefferson, que incrível! E que incríveis esses materiais que tu tem para compartilhar com a gente também, os vídeos dos espetáculos. Antes de ir para o chat, eu só queria aproveitar para comentar como é impressionante e incrível assistir esse casamento ali entre a audiodescrição e a cena mesmo. Me chamou muito a atenção essas outras alternativas também. Claro, como tu mesmo disse, que não substitui a audiodescrição. Mas como é interessante ver outras possibilidades de criar esse diálogo com a cena e investir na coisa poética, nessa descrição poética ainda.
Jefferson:
Exatamente.
Anderson:
É muito interessante. Vamos dar uma espiada aqui no chat. Nós temos... Não temos ainda muitas perguntas aqui, mas eu tenho um comentário que me chamou muita atenção aqui, da Vanessa Oliveira Peixoto.
Oi, Vanessa, seja bem-vinda. Obrigado por acompanhar a live. Ela diz que tem muito interesse em estudar mais sobre a audiodescrição integrada, maneiras de trazê-la para dentro do processo criativo, exercícios e abordagens durante os ensaios. E ela diz que está amando ver a live também.
Eu aproveito o comentário dela. Tu sabe nos dizer, Jefferson, se tem algum documento, algum material, alguma pesquisa já encaminhada nessa questão do processo criativo? Já existem registros disso?
Jefferson:
A gente tem Letícia Schwartz aí, na Federal do Rio Grande do Sul, que fez o mestrado, eu participei da banca dela, em que ela trabalha com abordagem do teatro contemporâneo, performativo, e que ela se esforça em fazer esse processo.
Está disponível a dissertação dela a respeito disso. E agora a gente está, acho que termina esse ano, uma orientação doutorado de Larissa Robb, em que ela vem relatando três experiências em audiodescrição, e uma delas é a chamada audiodescrição integrada. Ela é uma audiodescritora, é professora de teatro, atriz, audiodescritora, que faz trabalho para o Brasil inteiro, aqui de João Pessoa, que é do lado de Natal.
E está, sob nossa orientação, concluindo o doutorado dela. De tal maneira que, daqui a pouco tempo, a tese dela vai estar disponível para que vocês possam ter acesso a esse material sobre a dimensão da audiodescrição integrada. Inclusive, ela organizou, junto com um determinado coletivo, um espetáculo que é pensado a partir do conceito de encenação, em que a audiodescrição é um elemento orgânico do processo de encenação do que ela vai chamar de teatro performativo.
No que se refere à audiodescrição integrada, tem um artigo de uma teórica e artista, acho que norte-americana, que vai tratar da audiodescrição integrada. Eu posso também deixar disponível aqui com o grupo para ser fruído por vocês. Nesse campo da vertente da audiodescrição poética, eu também deixei um TCC que trata disso, que é... Eu deixo aí um TCC, que é a conclusão de curso, uma dissertação do mestrado e doutorado, para verem essas possibilidades.
E é um texto muito legal de uma jovem pesquisadora que se dedica também à audiodescrição, nessa vertente poética, que o TCC dela é muito maduro em relação a isso. Eu sempre utilizo e sempre indico essa publicação. Também está disponível para as pessoas que estão nos acompanhando, que estão fazendo esse curso.
Eu também deixei um texto meu, um artigo meu, sobre a audiodescrição e a pessoa com deficiência como provocação à cena teatral, a partir da perspectiva da recepção teatral. É um pouco do que eu penso sobre essa presença da audiodescrição no campo da recepção teatral. Isso ajuda as pessoas a pensarem.
Agora, é preciso fazer pesquisa sobre esse campo. A produção da cena, quer seja dentro ou fora da universidade, pressupõe a interlocução com as pessoas com deficiência para verificar os impactos, como é que ela constrói, como é que ela absorve essa perspectiva, porque os registros que eu tenho é que ainda, na chamada audiodescrição integrada, fica a desejar, em função de que alguns registros corpóreos e não verbais, que são importantes, não chegam para o espectador com deficiência visual. Não há estudo mais sistematizado sobre isso. São informações que eu recebo de colegas que são profissionais da área, pessoas que assistem o espetáculo com audiodescrição integrada, chamando a atenção disso, da necessidade de estudos e verificar se não é, talvez, importante pensar a audiodescrição integrada com a audiodescrição que está externa ao espetáculo. É nessa vertente que Larissa Hoppe vai trabalhar, como é que ela faz com que a audiodescrição integrada dialogue com a audiodescrição que está fora da cena. É um desafio muito legal, muito fértil, que ela tem pela frente e já está concluindo.
Anderson:
Que massa! Eu também fiquei bastante impressionado com o trabalho da Má Companhia. Achei incrível os atores estarem também, ali de Porto Alegre, falando na linguagem de libras também. Achei muito interessante ver.
Expande a nossa percepção da coisa. Porque, por mais que a gente venha falando bastante nos últimos anos sobre acessibilidade, sobre os diversos campos de acessibilidade, mas ainda, eu sinto que a gente ainda está caminhando nesse âmbito. Parece que ainda é difícil, pelo menos pela nossa experiência aqui em Santa Maria, também, sabe, Jefferson? Me parece difícil de encontrar também projetos e espetáculos que consigam abarcar essas questões. E quando abarcam, eu sinto que os espetáculos têm uma dificuldade de acessar as comunidades.
Jefferson:
Sim, é verdade.
Anderson:
E naquele ponto que tu diz ali que a produção precisa também reforçar e pensar a estratégia de transporte mesmo, de acessibilidade... Daqui a pouco, de encontrar com essas pessoas de uma forma... Eu achei... Isso foi uma coisa que explodiu a minha cabeça, me fez pensar muito. Claro! Precisamos ir de encontro a essas pessoas. No momento em que elas já partem desse lugar onde elas não acessam, talvez elas já não busquem, porque elas já talvez percebam que não existe essa demanda. Faz parte do nosso trabalho também.
Jefferson:
Aí, Anderson, algo importante é considerar que são comunidades e que historicamente foram alijadas. Eles não vêm espontaneamente, é um processo educativo e político. Para que se garanta, você tem que ter um portfólio de contatos dessas pessoas. Eles têm uma rede, eles têm uma estrutura horizontal de interlocução em que eles se apoiam, em que eles se comunicam para ter acesso a diversos artefatos culturais e assim por diante.
Mas é importante garantir esse processo da mobilidade urbana acessível em função das restrições que a população brasileira tem de transporte público, e isso impacta severamente a pessoa com deficiência, no geral, e, em particular, a pessoa com deficiência visual, sobretudo para o deslocamento à noite, para sair dos lugares, para ir para o espetáculo. Então, tem algumas experiências que marcam um determinado lugar, não dá para pegar todo mundo em casa, nem na escola, porque à noite nem sempre a escola está funcionando, marca um lugar, aí o receptivo pega e leva para o espetáculo, depois volta para esse lugar e aí tem a rede de apoio para eles deslocarem para os lugares, porque aí pega o Uber, pega o mais próximo e assim por diante. Então, tem que construir, mas tem que construir junto com eles.
Anderson:
Exato.
Jefferson:
Então, os processos de produção dos editais precisam considerar, primeiro, a interlocução com profissionais habilitados, com profissionais capacitados, quer seja para pensar processos mais convencionais em audiodescrição, quer seja com processos mais inventivos, mais criativos. É preciso ter essa interlocução, como eu chamo a atenção.
Não dá para fazer disso uma aventura, aventura a gente faz em outros contextos, mas isso tem que ser algo profissional. Ter cuidado também com a cotação orçamentária, porque é preciso respeitar o custo que isso representa. Não dá mais hoje, viu, Anderson, para pensar, vamos supor, uma produção em Natal, uma produção em Santa Maria, uma produção em Petrolina, por exemplo, dizer que não tem acessibilidade porque não tem profissional. Tem sim. Já há uma rede de profissionais virtualmente organizados que você pode fazer esse contrato e fazer a acessibilidade, mesmo sem estar na presencialidade. É possível ser feito. E você vai ter preços justos para trabalhos com competência. Isso é necessário. É um processo amplo e político de educação dos próprios coletivos, das agências financiadoras, dos produtores.
Por isso a importância da formação como política pública. Ainda há muita iniciativa privada nos processos formativos. Lamentavelmente, não temos ainda iniciativas mais universais de processos formativos para garantir que todos possam ser mais sensíveis e se a gente profissionalizar os diversos agentes nesse percurso.
Anderson:
Sim. Vou dar mais uma espiadinha aqui no chat, deixa eu ver. A Vanessa ainda comentou que ela já utilizou na contação de histórias durante um processo criativo de um espetáculo performático áudio descrito no local de encenadora do processo. Ela como encenadora.
Jefferson:
Parabéns, Vanessa. Parabéns por esse percurso investigativo e formativo. Não abra mão de verticalizar seus estudos nesse campo, que é muito importante.
Anderson:
A gente, enquanto artista, sempre quer acessar a maior quantidade de público, a gente quer compartilhar, quer provocar e tal, mas a gente acaba encontrando essas dificuldades de verba mesmo, de poder promover isso também através dos editais públicos. Mas é muito legal perceber o interesse das pessoas e essa necessidade da gente tentar... A gente fala tanto de democratizar o acesso às artes e à cultura, e esse é um ponto essencial para que a gente consiga, de fato, pensar numa democratização real, concreta, onde as pessoas possam fruir do produto artístico, todas as pessoas.
Jefferson:
É verdade. E a democratização pressupõe a investigação da linguagem como um exercício múltiplo do humano, porque o processo de democratização não é apenas o acesso físico aos ambientes, não é barateamento dos ingressos, não é você fazer um circuito do seu espetáculo. Não é só isso. Isso é importante, você deslocar o seu espetáculo do centro para a periferia, para ir para o interior etc. Mas é considerar que o seu espectador é diverso, é múltiplo, ele enxerga, ele atribui sentido, ele se desloca de outras formas. Não é apenas a forma bípede, a forma de um corpo considerado no padrão de normalidade social, e ele está fora desse padrão.
E como é que faremos para que garanta que essa criança, esse jovem, esse adulto, tenha o direito de ter acesso à cena, de fazer a cena, de fazer a oficina, de exercitar-se como humano, como ser humano, como ser de linguagem, nas diversas dimensões do ato artístico, quer seja como leitor, quer seja como performer, quer seja até como produtor, como agente da cena, isso no contexto escolar é muito importante, ter essas várias dimensões.
Anderson:
Exato, maravilhoso, maravilhoso. Ai, Jefferson, eu quero te agradecer, assim, mais uma vez, assim, por ter disponibilizado o teu tempo para dividir com a gente a tua pesquisa, as tuas experiências, né, assim. Ai, foi incrível mesmo, assim, te ouvir falar. É incrível também sentir a paixão, né, que tu tem pelo assunto, assim. É uma coisa que visivelmente te motiva, né, te move, né. Ah, enfim, muito, muito obrigado. Eu não sei se tu gostaria de dizer, colocar mais alguma questão, como é que está para ti, assim, de tempo também.
Jefferson:
Não, não, estou tranquilo. Eu só gostaria de chamar a atenção que no contexto escolar, quer seja como professor ou professora, que na sala chamada regular ou no atendimento educacional especializado, é importante ter acesso à formação da audiodescrição. Não é necessariamente que você vai ser um audiodescritor. Não é isso. Mas é importante você ter acesso à formação desse campo.
E o governo federal, através da SECADI, que é a Secretaria da Diversidade e da Inclusão, vem propondo alguns cursos para a formação de professor. Eu mesmo dei, no ano passado, acho que foi em 2023, aliás, um curso para professores sobre a audiodescrição de 90 horas. Mas, repito, não é para ser audiodescritor. Vai dominar os fundamentos da audiodescrição para fazer os processos dialógicos e mediação em contexto escolar ou no atendimento educacional especializado. Isso é algo importante a ser considerado.
É também necessário chamar a atenção da luta dos profissionais na área de audiodescrição no Brasil para a regulamentação da profissão. Porque não basta, repito, fazer um curso de poucas horas e você abrir uma empresa e dizer que é audiodescritor. Isso é um desserviço para o direito da pessoa com deficiência de ter acesso a bens acessíveis. É importante que você se qualifique, é importante que se garanta. E um dos aspectos é a definição da profissão, que há um movimento, já há todo um estudo em torno disso e está em uma fase de análise e de fechamento em relação a isso. Lamentavelmente, o governo federal não ainda deflagrou o reconhecimento, a divulgação da audiodescrição como profissão, mas que ela é necessária para os diversos contextos, contextos educacionais, contextos culturais e assim por diante.
A gente tem na universidade, e você deve ter ciência disso, tem os centros ou núcleos de inclusão, e tem os profissionais que fazem atendimento, o pedagogo, o especialista, etc. E a gente não tem audiodescritor nesse contexto. A gente vem formando, aqui na universidade nós já temos três profissionais de mediação no contexto da universidade que fizeram curso conosco, inclusive uma delas mestrada na área de audiodescrição, curso de 140 a 180 horas para que elas pudessem fazer o processo de mediação dos jovens e das jovens com deficiência visual no contexto do ensino superior. Mas é importante que se garanta a profissão, que se garanta concurso, que se garanta a parceria entre audiodescritor e audiodescritor-consultor dos processos de mediação, de acessibilidade em audiodescrição, isso é algo importante, que a gente defende.
Anderson:
Com certeza. Aqui nós temos em Santa Maria, a gente tem um audiodescritor aqui que eu conheço, pelo menos, que é o Fernando... Agora me fugiu o nome dele, enfim. Mas a gente tem esse rapaz que tem trabalhado bastante ultimamente, que eu não sei se tem outros que estão fazendo o trabalho que ele faz, e ele tem um trabalho muito delicado, muito sensível também, sabe? Eu já tive a oportunidade de trabalhar com ele algumas vezes, inclusive ele trabalha também com a gente no Peirô também.
E a Vanessa, que está elaborando essas pesquisas, que comentou aqui no chat, ela me disse aqui agora que atualmente ela é bolsista de pesquisa voltada para os estudos de acessibilidade e capacitismo. E aí, eu não sei, Vanessa, se tu estuda aqui no UFSM, porque eu sei que no UFSM nós temos um núcleo de investigação, o Núcleo Teatro Flexível, que é um núcleo que investiga teatro e acessibilidade, conduzido pela professora Márcia, que também é uma parceira nossa, já prestou uma oficina para a gente para o Peirô também. Então, o pessoal que está nos assistindo, quiser conhecer coisas aqui em Santa Maria também, procura lá no CAL, na UFSM, a professora Márcia, ela é coordenadora da licenciatura e ela é coordenadora desse grupo de pesquisa, o Teatro Flexível, para pelo menos a gente conseguir continuar essa conversa, entender para outros campos também.
Bom, eu acho que nós vamos nos encaminhando para o final.
Jefferson:
Eu quero agradecer a oportunidade de conhecer os colegas do Peirô e de criar essa interlocução com os colegas e espero que dê frutos, que gere outras interações, outras provocações.
Parabéns pela iniciativa, isso é importante, compartilhar experiências, saberes, itinerários, eu acho isso fantástico e tem uma potência muito grande. Eu sou muito otimista em relação a isso, apesar das dificuldades que a gente vem passando, mas sou muito otimista em relação à formação, a processos expandidos em torno da arte, da educação, então fica à disposição de todo mundo aí que precisar continuar, dar continuidade a essa conversa. Um grande abraço a todo mundo e até a próxima.
Anderson:
Obrigado, Jefferson, muito, muito obrigado, mais uma vez. E pessoal que está nos assistindo, então muito obrigado pela presença. A live vai ficar no canal do YouTube do Peirô para quem quiser assistir, para quem quiser mandar, para amigos que não puderam assistir, fiquem à vontade, espalhem a palavra por aí.
E também eu gostaria de aproveitar e convidar todo mundo para continuar acompanhando o trabalho do Peirô esse ano. A gente ainda tem, como eu falei no início da live, essa é a primeira atividade, uma série de atividades que a gente vai propor ao longo desse ano, que vão estar explorando essas temáticas de acessibilidade, teatro, educação e também de teatro de formas animadas. Então, para acompanhar o trabalho do Peirô no Instagram ou Facebook é @ColetivoPeirô, @RedeFormativa e @AnimaPeirô.
Mas seguindo o @ColetivoPeirô você encontra as outras redes e a gente segue se comunicando, tá? Muito, muito obrigado, gente, pela presença de todos e todas. Até a próxima. Obrigadão, gente.
Boa noite!
Obrigado por nos acompanhar aqui.
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Até a próxima!



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