Roda de Conversa: Diálogos entre Teatro de Formas Animadas e Educação - Transcrição
- projetopeiro
- há 4 dias
- 59 min de leitura
com as Professoras Camila Borges (UFSM) e Rossana Della Costa (UFRGS)
apresentação e mediação de Tayná Lopes
produção do Coletivo Peirô
TRANSCRIÇÃO
A tela está dividida em quatro retângulos. No canto superior esquerdo está Tayná, integrante do Peirô e mediadora da conversa. Ao seu lado, no canto superior direito, está a convidada Rossana Della Costa. No canto inferior esquerdo, está nossa outra convidada Camila Borges e, ao seu lado, no canto inferior direito, a Intérprete de LIBRAS.
Tayná:
Olá, boa tarde a todo mundo que se conectou hoje aqui com a gente. Eu me chamo Tayná e eu vou começar fazendo a minha auto-descrição. Sou uma mulher de pele parda, meus olhos são castanhos escuros, tenho cabelo curto, ondulado, na altura do ombro, uso óculos de armação quadrada vermelha, estou usando uma blusa laranja de manga curta e atrás de mim tem uma poltrona florida e um nicho de livros.
Esse momento, então, é uma iniciativa do Coletivo de Teatro Peirô, que nasceu no final do ano de 2023 e que eu faço parte. E foi através de um edital de financiamento público pela Política Nacional Aldir Blanc, referente à Santa Maria, Rio Grande do Sul, que o nosso coletivo aprovou um projeto que se chama Rede Formativa e uma das ações desse projeto é esse encontro online que a gente está realizando aqui hoje. Esse encontro também tem o apoio do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Santa Maria, e faz parte na semana de acolhida de volta às aulas para os estudantes.
E é com muita realização e com muito entusiasmo que eu estou aqui hoje representando o Coletivo Peirô, a Ana e o Anderson, que também fazem parte, e organizando esse momento para os estudantes, para os professores e para os produtores culturais, enfim, para os artistas e pessoas que se sentirem à vontade e acharem que esse é um lugar produtivo e rico para si. Nosso encontro de hoje é um momento para a gente aprender sobre teatro, trocar sobre teatro de formas animadas, sobre infâncias e sobre educação.
E para começarmos, eu apresento brevemente as nossas convidadas que já estão aqui online com a gente, a Rosana Della Costa e a Camila Borges. A Rosana é graduada em Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas, Mestre e Doutora em Educação pela UFRGS, professora adjunta no Departamento de Ensino e Currículo da FACED, da UFRGS, coordena o Projeto de Extensão Mili Micro Nano Pico, ela também integra o grupo de pesquisa GTEP, da URGS, um outro grupo chamado Poéticas do Inanimado, da UNESP, e um outro grupo de pesquisa chamado LATA, da UNB, pesquisando formas animadas e formação docente.
A Camila é graduada em Artes Cênicas, Mestre e Doutora em Educação pela UFSM, atua como professora adjunta no Departamento de Artes Cênicas da UFSM, e também nos cursos de Pedagogia e Educação Especial EAD da Universidade Federal de Santa Maria. Ela é integrante do grupo de pesquisa GPEIS, tem experiência na área de educação, com destaque para a formação de professores e experiência nas artes cênicas.
Muito obrigada pela participação de vocês aqui hoje, professoras, é com muito orgulho que a gente comece essa live, e vamos começar esse diálogo com a Rossana. Logo na sequência, teremos a fala da professora Camila, e por fim, a gente abre por perguntas. Então, ao longo da conversa, se vocês forem pensando em perguntas, já anotem, para colocar nos comentários ali do chat da transmissão online do YouTube. E aí, eu vou ler para as professoras. Então, Rossana, a palavra é toda sua.
A Tela agora exibe uma apresentação com slides. À esquerda dois retângulos com as imagens de Rossana e da Intérprete de Libras.
Rossana:
Gente, boa tarde. Então, o meu nome é Rossana Della Costa. Então, vou primeiro fazer a minha audiodescrição. Eu estou com o cabelo preso, estou usando óculos, um batom escuro, e eu tenho cabelos castanhos, olhos castanhos, estou no fundo branco também, com uma camiseta branca, e estou bem, o branco no branco.

E eu estou muito feliz pelo convite, quero agradecer muito ao Peirô, fico extremamente feliz de que o interesse e o encanto pelos bonecos está tomando proporções nesse nível, com um cuidado formativo, porque a gente está tratando de uma arte milenar. Então, a gente está falando de teatro, mas o teatro de formas animadas, ele é uma especificidade dentro do teatro, e é um campo em que a gente adentra e ele toma proporções ilimitadas, porque ele é a própria interdisciplinaridade, ele é o eixo articulador de todas as áreas. Tem música, tem... Assim como o teatro tem isso, mas o teatro de formas animadas burila com isso, trabalha nessas questões. Então, primeiro, por rever a Ana e a Tainá, que estão no meu coração, que estão apostando muito, investindo bastante em Santa Maria, com relação ao teatro de formas animadas, na educação. Então, deixo um superagradecimento, porque é o amor ao boneco que faz a gente movimentar muitas coisas, e está participando de momentos tão ricos e tão bons como esse.
Então, a minha fala hoje, eu pensei, já que tem essa coisa com educação, e que é um cuidado e uma responsabilidade de quem é da área do teatro, de conhecer, de não sair assim, fazendo... Até tem a coisa do autodidatismo, mas é um autodidatismo responsável, pensando que a gente tem esse respeito aos mestres, aqueles que vieram antes de nós. Então, a minha fala está bem embasada nesse aspecto da pesquisa que eu desenvolvi durante o doutorado, que pensa a questão de formação docente e o teatro de formas animadas. É uma proposta pedagógica. Então, a minha fala está embasada por um filósofo, que é o filósofo francês, o Philippe Choulet, que estuda particularmente a questão do teatro de formas animadas.
Está embasada também em um dos principais textos que trabalha com a metamorfose do teatro de formas animadas a partir do século XX, que é o Henry Joukowsky, que é uma das principais referências que a gente tem mundialmente com relação a isso. E também a Ana Maria Amaral, que é uma das principais referências no Brasil sobre essa arte. E depois a gente vai ter todo um desenvolvimento de vários autores e artistas e professores que agora estão nas universidades, mas que já ingressaram grupos de teatro de formas animadas.
Então, embasado nisso, é que eu vou começar a minha fala de teatro de formas animadas e educação. Eu gosto de brincar um pouquinho com isso, porque a gente pensa a educação ou a pedagogia como esse locus da razão cartesiana que se instaurou lá no século XIX, a educação como a questão da verdade.
E é uma brincadeira que eu sempre faço na formação docente e é uma brincadeira inspirada na professora Luciana Loponte, da UFRGS, que ela leva as futuras pedagogas a observar uma árvore. Então, o exercício é bem essa brincadeira. A gente desenha uma árvore na sala de aula e geralmente a árvore que a gente desenha é essa, o caule marrom, geralmente tem as maçãzinhas, enfim. E aí a Luciana Loponte propõe isso, que a gente vá observar as árvores e ver se é assim que são as árvores. A gente vai se deparar com vários formatos. O caule não é marrom, ele é acinzentado, às vezes ele tem mesclas de cores, ele tem várias outras questões e, inclusive, ele abarca a questão do simbolismo.
Quer dizer, como assim não existe uma árvore azul? A gente pode dizer, mas não existe uma árvore azul? Está errada esta árvore, então, porque ela não corresponde a uma árvore real. Mas como assim, como é que a gente começa a pensar nessas possibilidades? Eu acho que aqui a gente pode ter um primeiro, n ão seria um tensionamento, mas que a gente pode pensar assim, bom, a educação que ensina a verdade, mas também há uma educação do sensível, uma educação do simbólico, uma educação que a gente pode pensar esse desenvolvimento da criatividade, da percepção, de dar formas a como eu sinto e percebo as coisas, ou que eu dou sentido às coisas do mundo. Então, eu gosto desse primeiro exemplo para a gente pensar que o teatro de formas animadas é uma questão dessas. Tanto o Pigmalião, ele fala... Vou trazer aqui dois nomes bem importantes, vou citando algumas referências, se vocês tiverem interesse dá para buscar.

Primeiro é o Grupo Pigmalião - Escultura que se Mexe, e se vocês pesquisarem ali nos materiais deles, a identidade visual deles é um olho. E geralmente a gente encontra no teatro de formas animadas a identidade visual como sendo uma mão, de uma ideia de manipular. Mas eu acho muito lindo quando eles colocam que a grande questão não é a mão em si, porque várias partes do corpo podem mexer e fazer esse movimento de ânima. A grande questão para o Pygmalion, para o Du Felix, para a Liz, para esse grupo que pesquisa muito, é o olhar, é como que a gente olha e como que a gente traduz isso com o corpo. Então, o olho é a identidade visual deles, porque é muito interessante isso, de olhar.
E a Magda Modesto, que é a segunda referência, ela fala exatamente isso, que o boneco é o ser humano e que a gente tem que olhar as pessoas, é o comportamento das pessoas. Então, é interessante a gente pensar que esse comportamento humano, essa filigrana, essa coisa que... Exatamente esse paradoxo do humano, a gente às vezes é mesquinho, a gente sente inveja, a gente sente coisas ruins, a gente deseja o mal para o outro, e ao mesmo tempo a gente é capaz de atos generosos, imensos, a gente é capaz de muita amorosidade, e essas duas coisas convivem na gente. Então, o boneco sabe pegar exatamente essa parte, essa questão, ele vai pegar uma parte da questão humana e vai trazer isso. Eu acho que essa é a parte encantadora dos bonecos.

Fora isso, tem uma pesquisadora inglesa que eu gosto muito de citar mulheres, no fim das contas a gente tem bastante referência masculina, mas eu gosto muito de citar mulheres, a Claudia Orenstein, e ela fala uma coisa que eu gosto muito, eu gostaria de trazer aqui para o início de fala, que é por que a gente está aqui falando sobre teatro e formas animadas nesse momento. Olha que passou um bom tempo que a gente nem falava sobre isso. A gente ficava ali trabalhando várias outras coisas no curso de teatro, mas o teatro de formas animadas não era uma atividade considerada. Pelo contrário, às vezes era considerada como caricata e pertinente, única e exclusivamente ao campo infantil, ao universo infantil. E aí a gente percebe que isso acontece na história de uma forma muito interessante, às vezes parece que a marionete desaparece e ela volta a surgir de novo. E a Claudia, vou pedir licença para ler aqui para vocês, ela fala as seguintes questões.
“Analisar a arte da marionete nos momentos em que o engajamento com as formas de bonecos abunda pode oferecer insights únicos sobre as preocupações culturais, ansiedades e conceituações da humanidade em um período específico. A arte da marionete reflete como essas preocupações se manifestam e se expressam em termos materiais concretos, e não exclusivamente através de figuras humanas.” (ORENSTEIN, 2017, p.92).
Então a gente vai ter ali no século XX uma explosão, um surto de marionetismo e junto ali com o início do século XX a gente vai ter a primeira guerra, a segunda guerra, o nazismo, o fascismo, questões muito intensas que mobilizaram o mundo num determinado momento. E se a gente pensar agora que nós estamos em 2025 a primeira guerra mundial aconteceu em 1914 a segunda aconteceu em 1939, se eu não me engano, bom, nós estamos no início de um século a gente não sabe muito bem que cara vai ter esse século e o fato de que, e isso é bem perceptível que a marionete está irrompendo em vários lugares está abundando, como diz a Cláudia Orenstein nós estamos novamente tendo um surto de marionetismo.
Então é interessante ver o que a marionete está querendo dizer é quase como se a humanidade se voltasse para essas formas que são inanimadas e convocasse o ser humano a pensar o que de humano ainda tem em si. E a gente pensa muito isso junto com os historiadores tem um grupo de historiadores aqui da UFRGS que a gente está trabalhando junto que é essa modificação tecnológica, essa fase que a gente está vivendo vai ter algum nome sei lá, ou revolução, assim como teve revolução industrial vai ter revolução tecnológica, vai ter revolução digital sei lá que nome vai ter isso que a gente está vivendo, mas é inegável que a gente está vivendo um momento em que a gente está ressignificando o tempo e o espaço e esse tempo e espaço está ressignificando a forma como a gente está mantendo ou não os vínculos, está modificando a forma dos vínculos humanos. Então isso é uma coisa que a marionete se ocupa muito aonde tem o pensar sobre o humano é ali que a marionete vai estar é ali que o boneco vai estar, então trazer essas questões assim num primeiro momento é bom já de cara para dizer assim olha, não é bonequinho a gente não está fazendo uma arte menor e a gente vai ver alguns exemplos disso então mais adiante.
A gente vai ter várias, é imensa a variedade, a possibilidade. O que eu vou trazer aqui hoje talvez ele percorra um espaço eurocêntrico ainda porque a gente ainda tem um bom caminho a percorrer para a gente trazer outras formas assim na mesma medida e isso já está acontecendo, isso é muito bom, espaços formativos como esse, por exemplo, podem começar a pensar e ter referências de América Latina e ter referências de estados brasileiros, gente não precisa ir tão longe assim. Mas é bom que a gente veja essas outras expressões e saiba que existem outras formas e que o boneco não está restrito a Europa ou ao Brasil única e exclusivamente, está em tudo que é lugar e está especificamente também na questão humana.

Então se a gente fala da origem do ritual é exatamente disso que a gente está falando. Eu mostrei ali antes os artefatos africanos, se vocês lerem aquele livro da África Fantasma do Michel Leiris, se não me engano, que é um antropólogo em que ele faz um mea culpa assim de, poxa, a gente invadiu a África e a gente trouxe esses artefatos todos e a gente descaracterizou uma coisa que tinha uma questão espiritual, não é religiosa, mas que tinha uma questão espiritual. E isso em alguns países teve um efeito muito sério, porque aí a gente remonta lá desde o animismo o totemismo, a magia simpática, mas principalmente aqueles guardiões daqueles artefatos.
Então nesse livro da África Fantasma ele explica muito bem qual foi o dano pra estar hoje num museu do Louvre um artefato africano. Aquela cena do filme do Pantera Negra em que ele entra no museu e quer retirar um artefato, aquela cena não é cena de filme, aquela cena aconteceu de verdade, entende? No museu ali do Kebran Lee teve um grupo de africanos que entraram lá requerendo um artefato religioso deles. E era muito interessante a cena porque era fortíssima os guardas não tinham, eles estavam tão assim empoderados da sua verdade, não, tu não pode levar esse artefato esse artefato pertence ao museu; esse artefato não poderia estar aqui é vocês que roubaram eles de nós, esse artefato tem que voltar pra onde ele pertence; não, mas esse artefato pertence ao museu; não senhor, o museu é que tem que mostrar pra gente como é que ele tirou esse artefato da terra dele e trouxe pra cá, porque esse artefato é nosso. Então é uma cena que depois virou filme virou uma narrativa, só que é real.
E isso acho que, mais uma vez, comprova que não é uma arte que a gente pode tocar de ouvido, a gente tem que ter respeito, e principalmente quem é do teatro não dá pra sair experimentando sem pesquisar sem ver, sem realmente se curvar a essa importância. E eu gosto disso, eu sempre me emociono quando falo isso, eu estudei, que depois o pessoal do Peirô vai disponibilizar pra vocês a referência da minha tese, eu estudei o Edward Gordon Craig e ele tem uma fala que sempre me emociona e essa fala é a seguinte: que a marionete ela é a descendente degenerada dos antigos deuses de pedra, amiga da infância ela ainda hoje sabe como escolher os seus discípulos.
Então, se hoje a gente está aqui, é porque alguma coisa em nós ecoa com relação a esse espaço que é um espaço sagrado, mas é um espaço de criatividade e de alegria ao mesmo tempo, porque eles não se interpõem, eles não se contradizem, essas características na marionete, pelo contrário, estão muito juntas. Então aqui tem toda uma questão de filosofia.

“A marionete é por si só toda uma filosofia. No nascimento do mundo nos foi oferecido o exemplo do Criador, que forma o homem a sua imagem. Ele fez do lodo uma estátua e, depois, insuflou-lhe a vida.” (CHESNAIS, Jacques. Les Marionetes.)
Aqui tem um princípio de ânima que não é só pertencente ao cristianismo, se vocês lerem aquele livro que eu indiquei sobre a África Fantasma vocês vão ver que esses artefatos e várias outras manifestações de outros países tem esse mesmo princípio da ânima. Então ele fez do lodo uma estátua e depois insuflou-lhe a vida, então…
“Mais tarde, vemos os homens criarem as estátuas as quais verem animarem-se sobre um prodígio mágico. Ao lado dos mitos se põe mais simplesmente os autômatos e as marionetes. Em todos os tempos os homens procuraram penetrar o mistério da vida e, na falha, criaram a ilusão da vida. A marionete resta a mais perfeita e a mais comovente conquista desta autossugestão.” (CHESNAIS, Jacques. Les Marionetes.)
Então um grande exercício de si, se a gente fosse pensar a partir de Foucault, a marionete nos auxilia em um exercício mesmo de si. E as formas, a matéria a ser animada, aí é um universo infinito. Aí a gente vai brincar. Aí nós vamos ter essas articulações javanesas, a gente vai ter essas articulações birmanesas, esse titeriteiro que aparece vira e mexe em algumas enciclopédias, não sei se vocês conseguem ver, mas é uma pessoa com uma casinha e os bonecos estão aqui em cima e aqui embaixo estão os pezinhos dela, então ela apresenta, aqui tem uma criança assistindo. Então as formas são variadas.

Então aqui pra minha fala eu vou pegar a marionete tradicional e o teatro de formas animadas, eu vou pegar essas duas vertentes. Então a marionete tradicional a gente pode pensar que existe, já que é uma arte milenar, muito antes do que a gente pode imaginar, por exemplo, aquela cena que tem dois bonecos com um bastãozinho de madeira e que eles estão brigando, esta cena é extremamente conhecida e ela tem mais de 5 mil anos.
Então a gente vai ter também um movimento que se ocupa do princípio da ânima. E a gente tem algumas nomenclaturas de como a gente chama isso, essa arte No inglês a gente vai chamar de puppet, no italiano a gente vai falar do fantaccino ou do pantin, também, que o Choulet fala. Mas essa função do fantoche que depois veio pra gente, a gente fala do fantaccino. A gente vai ter no italiano também a tradição o buratini dos buratinaios, que a gente vai ver mais adiante, o vocábulo títere ele é em espanhol, vocês já devem ter ouvido falar em espetáculos de títeres. E no Brasil a gente costuma chamar de bonequeiro ou boneco.
Quem é um bonequeiro mais da velha guarda, digamos assim, não abre mão desse termo “bonequeiro”, mas a gente também vê essas manifestações contemporâneas como teatro de objetos e tudo mais, então tem agora um novo termo ou outro termo pra tentar designar isso que é o “teatro de animação”, onde a gente fala sobre o princípio da animação. Mas o fato da gente não conseguir capturar a linguagem eu acho que fala muito sobre do que a gente está tratando. O boneco, a gente não consegue capturar, a gente pode tentar dar nomes aqui e nomes ali, mas a gente não consegue capturar. Eu vou conseguir só fazer algumas trajetórias, mas a gente não captura isso tão facilmente.
A gente vai então, a partir da tradição buratini, lá da Commédia Dell'arte, a gente está saindo de uma Europa medieval agrícola e está entrando no renascimento. Então é uma tradição que ela vai pegar da Commédia Dell'arte, da expressão da Commédia Dell'arte, algumas personagens. Então diz algumas histórias que naquelas feiras agrícolas que existiam, apresentavam-se os atores da Commédia Dell'arte, mas tinha algumas pessoas que precisavam viver e que eles juntavam no final da feira os burrattos, que eram os sacos onde os vendedores colocavam os grãos que eles vendiam na feira, quando terminava a venda dos grãos sobravam esses sacos, que eles pegavam junto com um pedaço de madeira e transformavam nos personagens da Commédia Dell'arte e faziam com bonecos algumas paródias ou algumas aproximações.
E aí tem alguns registros de grupos desse período, dessa Europa ainda agrícola, já como grupos de teatro de bonecos mesmo, não eram atores, eram companhias que trabalhavam na tradição dos burrattos, que vai criar então a Tradição Burattini. E aí vai ter um personagem em especial que vai ser o principal da Commédia Dell'arte que vai entrar, que é o Pulcinella ou o Polichinelo. E aí o Pulcinellla é um personagem que faz parte de uma linhagem de personagens que eles tem caráter duvidoso, eles tem defeitos às vezes físicos, propositadamente. Ele tem a barriga grande, ele tem o nariz grande, ele tem essas coisas que também tem uma questão de caráter. E aí a gente vai falar das rotas do Polichinelo pelo mundo. Então a gente vai ter o Bruno Leone, ele é um burattinaio que está trazendo atualmente, atualizando a Tradição Burattini, isso na Itália. Ele está retomando isso com a Commédia Dell'arte.
E daí então, na Inglaterra, a gente vai ter essa expressão que é o Punch and Judy. E o Punch and Judy, um dos colaboradores da rede internacional de estudos da presença que é ingles, o Patrick, ele fala que tem pesadelos porque a voz do Punch é complicada, as histórias eram complicadas. Assim como os contos de fada tinham origens sangrentas e depois eles foram ficando melhorzinhos, o Punch and Judy não é politicamente correto. Por exemplo, o Punch é casado com a Judy e eles têm um filhinho, aí a Judy deixa o filhinho com o Punch e o Punch não aguenta mais aquela criança chorando, atira pela janela, enfim, a coisa vai acontecendo, tem várias peripécias que são bem questionáveis e, ao mesmo tempo, é aberta para tudo que é público, não tem restrição de faixa etária.
Na França, o Guignol é o mesmo Polichinelo, mas ele ganha uma outra perspectiva que é mais ingênua, ele peca por boa intenção, ele acaba criando problemas para as outras personagens, mas por boa intenção, às vezes ele quer só se dar bem também, mas ele fica nesse jogo um pouco mais querido, digamos. E aí eles têm essa manifestação que é nos parques que as crianças estão ali.
O Kasper na Alemanha, vocês veem que a deformidade segue, ele acompanha a personagem, ele vai tomando formas em diferentes lugares, então é um grande nariz, o Kasper vai ter uma astúcia, bem alemão, ele vai ter planos, ele vai montar coisas parecidas com o Judy, mas ele vai ter uma especificidade também que é a inteligência.
Dom Roberto, em Portugal, ganha essa forma bem avermelhada e ele é todo atrapalhado, ele quer também fazer as coisas bem, mas ele se envolve com questões da polícia. Essa questão também da cena do bêbado com o policial, com a autoridade, é também milenar. E aí o Dom Roberto faz bastante uso dessas cenas. E aqui eu acho bem interessante da gente pensar sobre a potência dos bonecos, porque a Ana Maria Amaral fala, por exemplo, que mil e alguma coisa antes de Cristo tem uma história que um sultão chamou todas as suas esposas para assistir um espetáculo de marionetes e diz que um desses bonecos piscou para uma das suas esposas, o boneco. E o sultão mandou decapitar o boneco, não mandou decapitar o titeriteiro, mandou decapitar o boneco e isso foi mil anos antes de Cristo.
Mas agora é recente, em 2016 a gente tem uma coisa muito parecida que é, como é que chegou o Polichinelo na Espanha, é o Dom Cristóbal. E o Dom Cristóbal montou essa peça, que é La Bruja de Dom Cristóbal, que é uma peça canônica. Ela é uma peça que existe há não sei quantos mil anos já. Só que eles adaptaram para uma Espanha em crise, na época, que ainda está em crise, e colocaram os nomes dos governantes. Eles atualizaram a peça. E eles foram, então, presos. Eu até separei aqui, mas acho que não vai dar tempo para ler. Eu conversei com os artistas. Eles foram presos com acusação de terrorismo, incitar o terrorismo, incitar a violência, incitar... Enfim, foram presos. E aí, ele diz que a sorte deles é que eles têm uma rede muito grande de amigos. E o que aconteceu? Esses amigos titeriteiros, eles pegaram o boneco deles e montaram a peça. E eles iam lá e prendiam esses atores. Aí vinha outro grupo de titeriteiros e montavam a peça. Eles iam lá e prendiam essas pessoas. Até que chegou a um ponto em que eles confiscaram o boneco. Eles prenderam os bonecos da peça. Então, é uma coisa muito... O que pode um boneco? Qual é a potência de um boneco? Eles ficaram cinco dias presos. Depois disso tudo, foram soltos. E demorou um ano para ser dirimida a acusação de terrorismo. E dois anos para os bonecos serem devolvidos para a companhia. Pensa! E ainda não devolveram todos. Então, é... Enfim.
E aí, pelas viagens ultramarinas, na época da colonização, chega ao Brasil o Pulcinella. E aqui no Brasil, ele vai ganhar algumas nuances, porque daí ele vai fundir com as raízes afro-ameríndias. E aí a gente vai criar aqui as nossas narrativas, bem Alariano Suassuna. Vai ter o coronel como autoridade. Vai ter o bêbado, a figura do bêbado. Mas vai ter os seres encantados e os seres mágicos. Que é a cobra, o boi. Vai ter o diabo, como uma figura medieval ainda persistente que vai tratar, vai fazer tratos e acordos com o personagem.
E a gente vai ter, assim, vários desses mestres a gente perdeu, infelizmente, na pandemia. Em 2015, a arte do mamulengo foi tombada pelo patrimônio histórico. Como patrimônio cultural e imaterial do Brasil. Então é muito recente. Só que junto, em 2015, a gente veio com a pandemia, a gente perdeu uns 10 principais mestres do Nordeste. E agora está sendo feita uma nova observação para ver quem é que vai entrar como mestre nos registros. E um movimento bem interessante também, que é as esposas desses antigos mestres que estão entrando como mestras também. Que antes não eram consideradas, mas na realidade eram elas que também ajudavam a confeccionar.

Eu vi aqui 10 minutos, então deixa eu ver o que temos mais. Porque aí a gente entra numa função que é bem século XX. Eu vou dar uma passada nisso rapidamente. O Hilo Krugli, que agora a gente teve a demolição do espaço dele em São Paulo. Eu acho que é bem importante a gente também ter isso em mente. Ele vai comentar que “essa marionete sofreu uma brusca transposição das mãos desses ágeis e analfabetas pessoas, desses andarilhos, para intelectuais e artísticas. E pessoas artistas.”
Então a gente vai ver, no início do século XX, esse surto de marionetismo que eu comentei. E eu vou passar um pouquinho rápido, porque aqui é a questão das vanguardas. Então a gente vai ter dois grandes mestres, que é o Baty e o Obraztov, que essa cena dele com o bebê, o boneco, que é clássica, é famosíssima. O Jan Russel também, essa coisa de fabricar.
Então, na história do ser humano, a gente vai ter um princípio antigo, que é a caverna de Platão e o teatro de sombras. A gente vai ter, lá no início do século, no final do século XVIII, o Kleist, que faz um tratado sobre a marionete e o corpo do bailarino, quando ele vai integrar dois centros de gravidade. Quem está estudando arte da marionete é obrigatório ler esse tratado do Kleist, para entender como funciona a operacionalização do princípio da ânima. E aí a gente vai ter o Materlink, a gente vai ter essa obra maravilhosa que mescla figura humana com figuras bidimensionais em cena. É uma inovação cênica isso, para a gente pensar que possibilidades poderíamos ter. A gente vai ter o Gordon Craig com as figuras das maquetes, onde ele pensava o teatro num espaço pequeno. E é inspirado no Craig, que vem a função do nome do meu projeto, dessas amplitudes possíveis, dessas medidas possíveis do teatro de bonecos. Pode ser tanto uma coisa pequenininha quanto uma coisa gigante.
A gente vai ter essas objetificações do ser humano e o início de um pensamento fragmentado que, reunindo esses fragmentos, vai dar outras possibilidades. Fragmento de movimento, uma desumanização, uma objetificação do corpo e uma humanização do objeto. Acho que isso fica bem marcado no início do século XX. Mas a gente não deixa, também no início do século XX, de trabalhar com a questão da luva e desses marionetes que são mais tradicionais. E isso está o próprio Paul Klee, na Bauhaus, que vai trabalhar com vários desses bonecos. Isso aqui dá um trabalho lindo de pesquisa, só com os bonecos do Paul Klee. É maravilhoso o tipo de boneco que ele promove com o papel machê. É toda uma outra questão.
Aqui está bem relacionada a questão da Bauhaus com o corpo e junto com Kandinsky, essas formas do corpo. Também é a mesma coisa com Oskar Schlemmer. Se vocês quiserem dar uma pesquisada do balé triádico, vale a pena para a gente pensar essas possibilidades de objetificação do corpo, de geometrização das formas, inclusive as formas orgânicas e humanas.
A biomecânica, que a gente pode pensar. E, segundo Choulet, o próprio efeito do Brecht de distanciamento tem um quê... Ele defende que tem um quê de princípio de animação, onde ele vai tirar da cena e jogar para o espectador esse... acorda, te anima a ti, e não é os atores que estão em cena. Ele defende esse filósofo que o Berthold Brecht, ainda que não trabalhasse com as marionetes propriamente ditas, mas ele trabalha com o princípio da ânima, o princípio da animação.
Aqui o Bruno Schulz fala sempre disso, que a matéria não é uma coisa agradável. A gente precisa sempre transcender ela, porque a gente está sempre fadado ao final. A gente está sempre fadado a acabar, a apodrecer, a se desfazer nesse mundo. O que lhe interessava era como a gente configurava outros sentidos a partir da matéria.
E o Oscar Kokoschka, que foi um artista maravilhoso, que cruzou toda a parte da Primeira e da Segunda Guerra Mundial trabalhando fortemente. E ele se apaixonou por uma artista e não podendo ficar com ela, então ele transformou uma boneca para onde ele transferiu todo o seu sentimento.
A gente vai ter também o Kantor, que vai trabalhar com restos que ele ia recolhendo desse mundo fragmentado, pós-guerra, que ele ia juntando e criando espaços cênicos completamente distintos. Se vocês pegarem “A Classe Morta”, está disponível no YouTube. Essas personagens com os abscessos que eles tinham no corpo de bonecos, que representavam eles mesmos na infância como algo que não saía de si, mas que permanecia ali, algo que era difícil de se de lidar e que ao mesmo tempo a gente tinha que lidar com. Então o Kantor tem um universo infinito para pesquisar com relação a objetos, ao manequim.
E a gente chega, claro, numa época mais atual, e que vale a pena a gente pensar o que isso quer dizer sobre nós como humanidade. Porque, agora, atores estão realmente apresentando cenas, espetáculos, onde os robôs são personagens, eles interagem com robôs. O que isso quer dizer sobre nós? O Hirata é bem conhecido por fazer isso. Ele faz peças e trabalha com isso, onde os robôs transitam entre a unidade de carbono, com a unidade de carbono que é o ser humano, manifestando ali a sua parte na dramaturgia. Então o que isso significa?
Até a gente chegar nesse alemão aqui, que é o Heiner Goebbels, que tem todo esse espetáculo que não tem uma figura humana presente. É um espetáculo todo feito em máquinas. Então é uma objetificação bem própria.
A gente vai ter essa coisa dos hibridismos, os bonecos híbridos, que está aparecendo bastante, que apareceu bastante há cinco anos atrás, seis anos atrás. Esses bonecos híbridos que eles promovem um exercício corporal forte. Uma das principais manifestações que a gente vai ter é a Ilka Choban. Não sei como é que fala. Tem gente que fala Choben. Eu fico no Choban, que é quem conviveu com ela. Mas vale a pena procurar também as obras e conhecer o que ela faz.
A gente tem um brasileiro, que é o Duda Paiva, ainda nessa leva de manifestação dos bonecos híbridos, que é um brasileiro radicado na Bélgica e que trabalha com espetáculos de um primor técnico. É o corpo de um bailarino. Ele retoma o tratado de Kleist de uma forma impecável. Se a gente pegar Kleist e pegar um estudo de caso do trabalho do Duda Paiva, todos os princípios estão ali presentes, mais um aspecto performático atual, contemporâneo.

Aqui eu gosto disso, porque é exatamente isso que eu falei antes das medidas. A gente vai ter tanto esses bonecos gigantes, onde os que seriam os atores manipuladores estão aqui nesses jalequinhos vermelhos, mas precisa de uns 30, porque esses bonecos são manipulados por guindastes. E é o grupo, por exemplo, o Bread and Puppets, que trabalha com esses bonecos enormes e coloca esses bonecos em espaços jamais pensados.
E a gente tem as caixas de Lambe-Lambe, que são aqueles espetáculos pequenos para um observador só. E retomando um pouquinho esse link com a educação que eu comecei, nos experimentos que estamos fazendo, o teatro de Lambe-Lambe está sendo muito profícuo para estudantes autistas. A gente está tendo um retorno muito interessante de como trabalhar o teatro de Lambe-Lambe, junto com, claro, níveis mais leves, nível de suporte, talvez, mas que a gente consegue trabalhar bem com a questão do autismo, que era um receio que eu tinha, mas que funcionou muito bem.
Então, aqui tem algumas... Queria indicar para vocês também esse Walk with Amal (www.walkwithamal.org). Amal é uma boneca enorme que está brincando de cruzar fronteiras, que é para pensar na questão das crianças imigrantes, nesse momento, com todos esses movimentos que a gente está tendo de imigração. Eu vou pular um pouquinho a questão da formação profissional, mas é só indicar o Instituto Internacional da Marionete, e a gente vai ter o NIMA, a União Internacional da Marionete, e a gente vai ter o NIMA Brasil, que é a ABTB, a Associação Brasileira do Teatro de Bonecos, o NIMA Brasil, e a gente vai ter, no caso do Rio Grande do Sul, a AGTB, que é a Associação Gaúcha de Teatro de Bonecos. Então, a gente está organizado. A vice-presidente da ABTB é a Beth Bado, que faz parte do grupo que está agora sediado em Gramado, que é os Bonecos da Montanha. Podem pesquisar ali, que eu acho que vocês vão estar bem informados também.
A questão das relações com TV e cinema, os bonecos que a gente conhece. Eu vou passar também isso. O Zé Divina, a gente perdeu ele na pandemia, perdemos o Zé Divina. E aqui a gente tem o Javier Villafane, que é um argentino que nos inspira muito. Então, quem tem interesse por teatro de bonecos é obrigatório conhecer o Javier Villafane. Ele não é um exímio marionetista, nesse caso, mas ele é uma figura extremamente inspiradora para teatro de bonecos e para a dramaturgia com teatro de bonecos. Então, ele é um grande incentivador e ele é um nome maravilhoso, que eu acho que, por exemplo, uma das falas dele é que nós plantamos plumas para que cresçam pássaros. Então, é extremamente poético.

E para finalizar, no Rio Grande do Sul, a gente vai ter o Tcheli, que trabalha com esse espetáculo dos bonecos de pau, mas também com bonecos bem minúsculos. A gente vai ter a Genifer Gehardt, que vale a pena vocês conhecerem o trabalho dela, que ela também trabalha com bonecos muito pequenos. O espetáculo “Brasil Pequeno” dela é simplesmente emocionante. E a Mayra Coelho, que tem o filme “Migrantes”, que já rodou o mundo, foi extremamente premiado, inclusive. E a Elaine, que também é uma bonequeira. E agora tem eu, no curso de pedagogia, fazendo experiências com o teatro de bonecos e fazendo algumas experimentações, mas sempre com base na prática, a partir dos estudos. Eu gostaria que vocês dessem uma lida na minha tese. Tudo que eu falei aqui está muito mais explicado e esmiuçado no capítulo 2 da minha tese, mas também tem alguns materiais didáticos que estão disponíveis, que se vocês pegarem a tese para ler, vai ser interessante e vai indicar também autores para vocês conhecerem mais.
Tem o projeto, que a página é o @milimicronanopico. Milimicronanopico são unidades de medida, né? Mili Micro Nano Pico. É exatamente pensando no Craig, porque para o universo a gente é muito pequenininho, mas a formiga para a gente é muito grandão nesses paradoxos de tamanho, como é que a gente se vê perante o teatro de formas animadas.
Então, a princípio eu encerro, mas fico disponível para a gente conversar. Está aí meu e-mail, está aí também o arroba do projeto. Ficam convidadíssimos lá no projeto. Eu sempre estou colocando algumas referências e também os cursos de extensão que estão acontecendo na UFRGS. Ficam convidadíssimos, então, para participar.
A tela volta a exibir os quatro retângulos que mostram, acima, Rossana e a intérprete de libras e abaixo Camila e Tayná.
Tayná
Obrigada, Rossana, por todas essas referências que tu reúne aqui para a gente, por todo esse conhecimento que tu traz.
E agora eu queria ouvir um pouco do que a Camila preparou para a gente, um pouco das vivências dela, das percepções em relação a essa temática. Então, vamos lá.
A Tela agora exibe uma apresentação com slides. À esquerda dois retângulos com as imagens de Camilae da Intérprete de Libras.
Camila
Boa tarde, pessoal. Eu sou a Camila Borges. Vou fazer minha audiodescrição. Eu sou morena, cabelo castanho, na altura do peito. Estou com um vestido branco estampado de floral azul. Tenho pele morena. E atrás de mim tem uma estante com livros.
Vou compartilhar aqui com vocês uma apresentação. E, na verdade, vocês já conseguem ver? Sim? Então, diante de toda essa fala da Rossana, que é uma pesquisadora e um entusiasta das formas animadas, penso que a minha contribuição vem mais no sentido de falar um pouco da experiência que eu tive como atriz dentro da nossa companhia Sacarrolhas, que durante anos se aventurou a inserir os bonecos nos processos de criação, nos espetáculos que a companhia escolheu montar. Então, eu vou falar um pouquinho da experiência da Sacarrolhas e dessa conexão que eu fui fazendo ao longo do tempo com a educação.
Porque eu tenho uma caminhada mais longa até como atriz do que como professora. Eu fui me forjando professora com o tempo, com as experiências, e agora na docência, no ensino superior, que começou em 2014, mas o meu fazer artístico é anterior a esse fazer docente. Então, gostaria de compartilhar com vocês o início de tudo.

Essa foto é de 2003, quando a gente começou a companhia Sacarrolhas, que era eu, o Luciano Gabi e o Jadrigo Terres. E começou com um grupo, um coletivo que tinham afinidades e que desejavam circular com os espetáculos montados. Mas a gente sabe que as dificuldades foram muitas no início.
Eu sempre brinco quando conto essa história. A gente recebia, a gente montava o espetáculo e o cachê, às vezes, dava para pagar só o que a gente... Assim, nem um terço do que a demanda do espetáculo dava. Então, que era o que? Figurino, cenário. Então, a gente estava ali no início da graduação, os meninos estavam um pouco mais adiantados, eu estava no início da graduação em artes cênicas, e a gente tinha essa vontade. Mas, financeiramente, logo no início, era quase que inviável. Então, a gente começou a investir, a saber que era o início de uma longa caminhada. Então, a gente começou a investir tempo e a criação para criar dramaturgia para os ensaios, para adaptações de textos e fazer esse link de formação.
A gente teve o desejo de fazer muita formação. Então, a gente buscou, na época, o próprio currículo do bacharelado não oferecia absolutamente nada de formas animadas. E quando a gente ouvia, na época, era sempre, ah, era fantoche. E até hoje, quando a gente entra na escola, por exemplo, supervisionando estágio, eu estou orientando estágio no ensino fundamental, agora, no primeiro semestre, e o que a gente vê dentro da escola, por muitas vezes, é isso. O estudante da licença de ator em teatro chega com uma proposta de trabalhar formas animadas e a escola acaba caindo em um senso comum de dizer que está trabalhando fantoche, dedoche. Então, a gente sabe que esse termo está mais amplo, ele abrange outros elementos, bem como a Rossana falou. Então, ele não é menor porque é um teatro de formas animadas, ele não é menor, ele não tem um valor menor porque é desse... tem essa característica.
E assim como a gente fala de teatro infantil, que durante muitos anos foi essa nossa luta enquanto companhia, que era defender o teatro infantil, que não era o teatrinho. A gente chegava na escola e dizia, ah, hoje vai ter teatrinho. E aí eu sempre fui uma pessoa que me incomodei muito com isso. Dizer, teatrinho não é teatrinho. Ah, mas é porque é para criança, Camila, me diziam, né? Porque é para criança. Então, é teatro infantil, teatro para criança. Agora, não teatrinho. A gente vai botar uma musiquinha. Eu sempre fui contra esse diminutivo que sempre vem, de certa forma, recheada com algo pejorativo. Então, essa sempre foi uma luta e eu acho que essa luta permanece.
Nem todo mundo vai saber o que a nossa área abrange, mas a gente vai fincando os nossos pés e a nossa bandeira em relação a essa arte, que não é menor em hipótese alguma. Então, começamos a esses três. E aí tem alguns, eu me dei conta, organizando essas imagens para compartilhar com vocês um pouquinho da experiência da Sacarrolias, eu me dei conta que muitas das fotos, e eu sempre penso que eu tenho um acervo muito grande das fotos desses 20 anos de caminhada da companhia, que eu sempre tive muitas fotos das diferentes etapas, 20 anos, olha a quantidade de espetáculo que a gente produziu. Mas, eu me dei conta, organizando essa apresentação, que os espetáculos que eu queria apresentar para vocês, muitos eu não tinha as imagens. E as imagens que eu vou apresentar hoje para vocês são imagens praticamente tiradas do Facebook, que se perderam, por exemplo, eu não tenho no meu acervo, então eu tive que ir lá no Facebook para pegar essas imagens que na época a gente alimentava muito essa rede que era a mais forte na época.
Então, a companhia se extinguiu após 20 anos, o período da pandemia foi um tempo muito, muito, muito difícil para a gente. Eu ainda tinha a docência, que eu comecei em 2009, ser professora, mas os meus colegas, não, os meus colegas eram artistas, viviam de arte, esse foi um período muito difícil, muito difícil. A pandemia realmente a gente, no primeiro ano, foi um ano que a gente conseguiu ainda se manter, mas depois os demais anos ficaram muito difíceis. Então, o Luciano e o Jader foram embora de Santa Maria, procuraram outras possibilidades de trabalho. Atualmente, nenhum deles trabalha mais com arte, são artistas, quero deixar aqui registrados também a admiração que eu tenho por esses colegas, que foram, foi com eles que muito aprendi e muito aprendemos juntos nesse sentido de buscar, a gente queria fazer, não sabia como e foi buscando, bem como a Rossana, a primeira fala da Rossana é bem isso, não é sem critério, sem responsabilidade, é o contrário, a gente foi em busca, buscou formação, buscou fazer cursos para entender um pouco mais esse universo.

E aí está, então, uma das, eu não tenho, poucas fotos eu tenho atuando, a maioria vai ser posada porque é quando a gente lembrava que dava para tirar foto. Então, aí a gente tem um pouco do espetáculo, Um Kombão de Histórias”, com alguns personagens que a gente sempre inseriu porque o nosso público majoritariamente sempre foi pensado para teatro, sempre foi pensado teatro infantil, a gente sempre trabalhou para crianças.
E aí, dentro desse universo para criança, a gente começou primeiro montando os textos do Monteiro Lobato, adaptando a literatura do Monteiro Lobato, mas a gente foi vendo que precisava de algo mais. Foi aí que a gente teve esse encontro com bonecos a partir de um curso que a gente fez. E aí esses bonecos vieram agregar na companhia junto com a contação de histórias.
E a partir das contações de histórias, que foi o nosso primeiro contato com os bonecos, a gente começou a inserir eles em todos os espetáculos. Mesmo aqueles espetáculos que poderiam ser montados somente com o corpo do ator, a gente buscava os bonecos para nos ajudar a contar essa história. Porque acontecia um momento mágico quando os bonecos entravam e falavam que talvez não acontecesse essa conexão falando para a criança, que era o nosso público, que foi o público que eu me dediquei durante esses 20 anos, que era o público infantil. Acontecia algo mágico. Então as crianças se conectavam muito com os bonecos. Quando o boneco falava, é claro que a gente foi aperfeiçoando a técnica, foi fazendo esse boneco fazer parte dos atores, foi entendendo que às vezes nem sempre precisa ter tudo preto, a gente precisa estar escondido, que esse boneco faz parte da cena.
Então isso é formação. A gente continua estudando, pesquisando, buscando formação. E a gente foi entendendo que mesmo a gente podendo resolver de uma maneira concreta com os atores, os bonecos já faziam parte da própria linguagem da companhia.

E aí está então um dos clássicos, nós montamos muitos clássicos infantis, muitos clássicos infantis. Aí nós temos o João e o Pé de Feijão, temos a Branca de Neve, Peter Pan, o Mágico de Oz, o Pequeno Príncipe, que a gente adaptou para o Pequeno Explorador que acontecia nos Pampas Gaúchos. Já vou falar um pouquinho mais desse espetáculo para vocês. Mas aí então tem a Branca de Neve e os Sete Anões. E era fascinante, aqui vocês conseguem ver na imagem as crianças que estão ali na boca de cena, no palco. Quando entram os bonecos, as crianças não conseguem ficar sentadas. Estão todas sentadas. Esse é o primeiro momento em que os bonecos saem das coxias, entram e avançam. A gente está fazendo uma dança e está dançando e os bonecos entram e as crianças não conseguem ficar sentadas. Elas querem se aproximar, elas querem tocar nesses bonecos. E esses bonecos têm vida.
Até hoje eu tenho eles. Estão lá na universidade e realmente a gente diz que esses bonecos nos olham o tempo inteiro. Eu coloquei eles sentados. Eu vou caminhando, parece que eles estão me olhando. Aí eu mudo de posição, eles continuam me olhando. Então esses bonecos têm vida. Isso a gente deve muito ao bonequeiro que fez, que é o professor Juan Amoretti, professor ali das artes visuais. O professor Amoretti, nós fizemos uma parceria ao longo dos anos porque era exatamente isso. Ele conseguiu captar aquilo que a gente precisava para os bonecos. Então ele viu que o boneco era bem isso. Ele não era uma peça fútil, só demonstrativa, figurativa no espetáculo. Ele tinha vida. Então a gente queria que isso tivesse, fizesse parte dos nossos espetáculos. E aí deu uma conexão muito grande entre nós, a companhia, e esse artista que é o professor Juan Amoretti, um veterano super experiente. Então quando a gente chegava para as reuniões para falar o que a gente precisava, ele captava o que a gente queria dizer e realmente ele conseguia fazer com que os bonecos, mesmo sem ter o manipulador atrás, eles tinham vida. E isso é inacreditável. A gente que trabalhou anos com os bonecos, a gente sabe o poder que isso tem.

Então, mais uma foto posada, mas para demonstrar para vocês esses anões, que realmente cada um tem a sua característica. E, claro, com a técnica dos artistas, todos esses que estão manipulando os bonecos, de novo, fizemos cursos, não é por intuição, tem que ser por conhecimento. A manipulação deles, o contato com eles, a técnica para trabalhar com eles. Não basta ter boa vontade, tem que ter conhecimento. Então, esse manuseio do boneco, dar vida para o boneco na cena, vem a partir de muito ensaio e muita técnica.

Aqui, o Mágico de Oz. Uma das estéticas da nossa companhia também sempre foi trabalhar com cenários pictóricos. Isso foi uma escolha. A gente começou lá no início, a gente queria circular muito com os espetáculos, circular mesmo. A gente fazia desde apresentar dentro da sala de aula, como apresentar em ginásios, apresentar em praças. Então, a gente tinha que ter uma versatilidade na logística da companhia, que era guarda tudo dentro de um carro, dentro da nossa Kombi, e viagem. Então, a gente viajou muito aqui nos três estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e muito para o interior do estado do Rio Grande do Sul.
E aí a gente precisava pensar também num espetáculo viável. Os primeiros espetáculos realmente a gente fez um... Isso aí na experiência também nos... Foi a experiência que nos ensinou isso, ter essa prática. Porque no início a gente fazia uns espetáculos, uns elefantes... Tudo muito grande, com muito volume, a gente não conseguia carregar no carro. Às vezes isso inviabilizava o contrato, o contratante não conseguia pagar, porque tinha que pagar o nosso deslocamento, o cachê e ainda mais um ônibus ou um... Um carro para levar só o cenário. Então a gente começou a pensar como a gente poderia chegar nesse modo compacto para poder viajar. E aí a gente começou a trabalhar com cenários pictóricos e realmente começou a funcionar.

Eu costumo dizer hoje, depois desses 20 e poucos anos, que eu hoje montaria de uma maneira diferente. Mas foi a estética que a companhia foi definindo. E isso foi acontecendo de uma maneira super natural para a gente. A gente teve a ideia e o tempo foi nos levando para trabalhar nesse sentido pictórico com alguns elementos. Então mesmo não tendo... Aqui a gente trabalha com alguns bonecos de manipulação, só que eu não tenho nenhuma foto desses bonecos. Uma das bruxas está aqui, mas a outra era um boneco. Eu não tenho fotos, procurei, pedi para os meus colegas, mas ninguém tinha no acervo. Então é só para dizer para vocês que mais um espetáculo da SACA trabalhando com bonecos de manipulação.

Esse é o João e o pé de feijão. Eu estou ali de gravata laranja. E aí esse foi um espetáculo que a gente fazia bem esse jogo. Esse espetáculo acontecia o tempo inteiro. Quando ele acontecia, o João em pé de feijão, que planta grão de feijão, o feijão cresce, vai até as nuvens, até o céu, e lá ele se depara com um gigante. Então como é que a gente ia fazer essa transposição de sena? Aí os bonecos resolvem essa questão. Então quando a gente estava na terra, eram os personagens.
Quando estava no céu, que ele subia pelo pé de feijão, eram os bonecos. E era mágico esse momento, porque entrava e saía cenário. A gente criou um cenário também pictórico, mas que entrava e saía. E quando entrava o cenário do céu, os bonecos apareciam. E era mágico. A gente via pela reação das crianças. Eu posso dizer que nesse espetáculo eram mais mágicos os bonecos do que nós. Por mais que a gente tivesse essa dedicação para a atuação, os bonecos sempre ganharam mais o nosso público infantil nesse espetáculo.

Aqui tem mais um espetáculo, que é uma adaptação do Pequeno Príncipe, que a gente criou o Pequeno Explorador, que ele explorava as pampas gaúchas. E foi uma luta, na verdade, foi um grito de socorro, porque esse espetáculo falava sobre todos os animais que estão em extinção no Rio Grande do Sul. Então, mais uma vez, o mestre Amoretti vem para nos auxiliar nesse sentido, construindo esses bonecos junto conosco. Então, ali a gente tem o bugio ruivo, o viado campeiro, o ratão do banhado, a jaguatirica, a lobaguará e o vagalume. E o Pequeno Explorador, que vai explorando esses pampas gaúchas.
Também essa estrutura foi toda feita dentro da nossa Kombi. A base desse cenário é a Kombi. E não dá para ver aqui, mas ele tem aberturas, porque atrás da árvore a gente entra, tem buracos no cenário onde a gente consegue entrar com os personagens, só que na imagem não dá para ver direito.
Aqui tem mais uma contação de histórias na nossa Kombi, e os bonecos estão ali. E são momentos de atuação e momentos de manipulação. Aqui tem o Macaco Malaquias, que também é outro espetáculo que a gente construiu, isso aqui já é mais para o final da vida da companhia. E aqui mais uma foto posada, mas é mais para mostrar para vocês os bonecos. Aqui também.
E aí, esses bonecos... Claro, por que eu falo só do Amoretti? A gente teve outros bonequeiros que fizeram. A gente foi à Porto Alegre buscar também artistas que nos ajudassem a fazer. E nós conhecemos muita gente ao longo desses anos, muitas pessoas, muitos bonequeiros ao longo desses anos, que produziam, que produzem e que fazem essa arte. Mas a gente às vezes se sentia limitado, claro, por estar aqui no interior do Estado, por... a questão de recursos sempre nos limitou bastante. E o que mais nos ajudou nesse processo foi realmente tendo afinidades com quem ia produzindo para a gente. Eu tenho só aqui alguns que foram, vou falar bem da cidade, mais local aqui.
Quem nos ajudou bastante na criação disso foi o Amoretti, foi o Luciano Santos, que foi compondo junto com a gente. São artistas atuais e locais. Então foi com esse pessoal que a gente foi construindo esses personagens e fazendo essa construção, esse processo. A gente teve um espetáculo muito legal também que eu não consegui achar nenhuma foto, que foi o Pedro Lobo. Nós apresentamos o espetáculo junto com a Orquestra Sinfônica de Santa Maria. E a história do Pedro Lobo, não sei se vocês conhecem, mas vale a pena buscar saber, pesquisar um pouco sobre essa obra. E o Pedro Lobo, ele tem... a orquestra, ela vai tocando, tem uma história que é contada. E a orquestra toca exatamente aquilo, claro, através da música, os acontecimentos da história. E a convite da Orquestra Sinfônica, em 2012, nós montamos, em 2011, 2012, nós montamos o Pedro Lobo.
E foi uma experiência incrível, porque a gente apresentou junto com a orquestra. Então a maior parte do palco, quem ocupava, era a orquestra. A gente apresentou em algumas cidades aqui do interior do estado. E aí a orquestra tocava e a gente fazia. Não tinha fala, mas era o som que remetia a toda a ação do personagem. Então foi um trabalho super desafiador, porque a gente tinha que entrar exatamente... A gente tinha que conhecer toda a obra.
A obra em si tem em torno de 30 minutos. O Pedro Lobo é uma história contada, uma obra contada em 30 minutos, que a gente tinha que entrar e sincar o movimento do boneco exatamente com a orquestra. Não podia ter delay da nossa parte, porque a orquestra era soberana naquele processo. Eu acho que deu. Eu botei mais uma foto, que era da nossa última experiência com a Trip Teatro. Alguns estudantes da licenciatura tiveram essa oportunidade também.
A Tripe Teatro, que é uma companhia de Santa Catarina, que veio a Santa Maria no ano passado para apresentar o flautista de Hamelinl e o Kaspel e a Cerveja do Papa. A Rossana falou agora do Caspel. Eles vieram a Santa Maria fazer duas apresentações. E é, de novo, mais uma vez, se comprova ali. É muito interessante ver como a gente vai para assistir. De tarde eu fui para assistir. Levei o Santiago, meu filho pequeno, de três anos. E a conexão que isso se dá. Ele é uma criança super ativa, mas chegou super agitado. Teatro, tudo novidade. Aí ele sentou, ele queria ver banco, ele queria sentar na cadeira, ele queria mexer no banco, mas ele foi olhando, foi olhando. Daí a pouco ele parou. E aconteceu a conexão. E é esse... Claro, vou falar do meu filho. Se conectou ali, mas assim como ele se conectou, e eu estava ali como uma apreciadora daquele momento.
Quando a gente está em cena, a gente percebe que esse silêncio se estabelece, essa conexão com esses bonecos se estabelece. Então é mágico. Eu sou uma apreciadora desse processo, e principalmente desse momento, quando ele acontece, ele é único. Então a gente teve a oportunidade de novo de viver isso, com a Trip Teatro. E Kásper foi à noite, e a Cerveja do Papa foi à noite. E aí realmente o público era majoritariamente adulto. E a história é mágica, gente. É incrível o trabalho.
E nós fomos presenteados, o curso de Licenciatura em Teatro da UFSM foi presenteado com esse livro, Os Segredos do Bonequeiro. Nós ganhamos... Deixa eu ver se eu consigo mostrar aqui. E nós ganhamos esse livro, então, de Paco Paricio. E aí aqui ele fala toda uma... Como é que essa técnica acontece, né? Você que gostaria de manipular, manusear os bonecos, como é que começaria esse processo? Então é um presente deixado para nós, que alguns alunos agora, até quem está próximo da gente aqui, tanto as pedagogas quanto os artistas que tiverem interesse, só entrem em contato conosco que a gente pode viabilizar esse acesso.
Mas eu acho que é isso. Da Saca eu gostaria de falar dessa experiência, então, que foram esses anos de trabalho. Vou voltar aqui. Esses anos de trabalho e de experimentação com esses bonecos. E a gente montou... Um dos últimos espetáculos, além do Macaco Malakias, foi o Peter Pan. E o Peter Pan a gente usava marionete, porque tinha toda essa transposição também quando eles estavam na terra e quando eles estavam no ar. Então a gente achou essa solução e como funciona, como funcionam as escolhas que a gente fez para esse espetáculo. Então é mais um dos clássicos que a gente escolhe montar e que realmente a gente vê a versatilidade que o boneco proporciona para um espetáculo assim. Mas eu acho que é isso.
Eu agradeço imensamente o convite. Agradeço a Ana, agradeço o Tainá, agradeço a Rosana. É sempre bom esses encontros. E o que me dá saudade de voltar, de voltar não tem como, mas de retomar essa aproximação com os bonecos. Hoje realmente eu tenho na minha casa, eu tenho na universidade, mas pelas demandas da vida acaba que essa prática acaba ficando de lado. Mas tenho saudade desse tempo que a gente girava muito, a gente apresentava semanalmente, sempre.
Como a gente tinha um repertório muito grande de espetáculos, às vezes era assim, um município pedia um espetáculo, no outro dia outro município, a gente já estava em outra cidade apresentando outro espetáculo. Então a gente tinha em torno de 15, 17 espetáculos, todos ativos. É só uma ligação e dizer qual espetáculo eu queria dentro do nosso cardápio e a gente se jogava para ir.
Olhando essas fotos, quando eu fui preparar essas imagens para vocês, eu tive só boas recordações desse processo, principalmente o que mais me dá saudade é entrar mais no universo das formas animadas e a formação. Que saudade que eu tenho de ter uma outra formação, de estudar um pouco mais, de buscar possibilidades, até mesmo de construir, a gente sabe que isso é um tempo, quem faz isso faz, até a Rossana traz esse panorama histórico, ao longo dos séculos, como é que se constituiu essa história das formas animadas, mas esse desejo se desperta como artista, para mim.
E o próprio William, que é o artista que nos... Eu botei uma última foto aqui, mas não apareceu nos slides, não tem problema. O William que nos presenteou, que foi o artista que apresentou, ele nos trouxe bonecos de 1800, são os bonecos originais, que andaram, inclusive, estavam na Europa e foram doados para esse grupo, em Santa Catarina. Então, a gente sabe o valor inestimável que tem esses bonecos, e principalmente quando eles estão em cena. Então, para os estudantes que estão aí, vida longa, para as pedagogas que desejam trabalhar isso, busquem sempre formação, é um universo mágico, que uma vez que a gente se insere neles, a gente nunca mais quer se desvincular.
E os alunos da licenciatura em teatro, que buscaram isso como uma metodologia dentro dos seus processos de estágio, trabalhar a criação de bonecos, mesmo de bonecos a partir de meias, que é o que é possível dentro da escola, essas metodologias sempre funcionam muito bem, são sempre muito bem aceitas pelos estudantes. Já vi dentro do ensino fundamental, na educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Então, é uma metodologia, estou falando isso bem na prática do estágio, como fazer isso dentro da escola? Esse primeiro contato é possível? Claro que é. Claro que é possível.
Então, claro que quem vai mediar esse processo, o estudante que vai mediar, o professor que quer mediar esse processo, tem que ter uma base, tem que ter um alicerce para propor, tem que se sentir à vontade, tanto de criar, quanto de dar vida a esse boneco. Mas a gente vê, pelo menos a partir do curso de licenciatura em teatro, um desejo, e cada vez mais aparecendo esse processo de formas animadas, essa linguagem de formas animadas dentro da escola. E que isso permaneça, vida longa que inspire outros.
E acho que a Rossana deixou um legado muito forte aqui na UFSM, e uma saudade. Muitos estudantes ainda, antes da saída dela, que sempre questionam e quem que vai dar sequência a essa formação de formas, a esse processo de formas animadas. Então, que continue, e que os estudantes sempre busquem, cada vez mais, aperfeiçoar, se assim o desejarem.
Agradeço, meninas, e estou à disposição para o que precisar.
A tela agora volta a ficar dividida em 4 retângulos. Na parte de cima estão a intérprete de Libras e Camila, e na parte de baixo estaõ Rossana e Tayná.
Tayná
Obrigada, Camila. Muito legal acompanhar essa trajetória que vocês tiveram na companhia.
Muito inspirador, né? Ver artistas locais de Santa Maria, do Rio Grande do Sul, fazendo trabalho com teatro de formas animadas. Ver que tem gente aqui, onde a gente mora, fazendo, que é possível fazer. E agora a gente está começando a fazer.
E para pegar esse gancho de Rio Grande do Sul, de produção local, tem uma pergunta que enviaram para a professora Rossana. A Duane Castro enviou. Rossana, como você descreve a presença do teatro de formas animadas no Rio Grande do Sul? E é a partir dessa pergunta que a gente dá o start aqui na nossa rodada de perguntas. A gente já tem mais uma ali no chat. E quem mais tiver, pode enviar no chat do YouTube.
Rossana:
Ai, meu Deus, saudade também, Duane. Beijos! Eu tenho saudade dessa gente também. Coisa bem gostosa, essa vez de vocês. Duane, assim, como é que eu vou descrever? A gente não tem no Rio Grande do Sul o lastro tradicional que tem o Norte e o Nordeste, onde se desenvolveu o Babau, o Mamulengo, o João Redondo. A gente não tem... A gente tem chegando ali em Santa Catarina, que é a terra do William, a gente vai ter ali o Boi Mamão, que tem uma figura que eu acho ótima, que é a Bernunça. Mas a gente vai ter aqui o Jogo do Osso, a gente vai ter os bonecos de osso, os bonecos de espiga de milho. A gente não tem uma vertente tradicional nesse aspecto, assim, que brota do povo. Estou falando, assim, que brota do chão, que a gente chama do povo, né?
Mas o que a gente tem aqui? A gente teve, por 30 anos, o Festival Internacional de Bonecos de Canela. E este festival formou bonequeiros. A gente pode não ter a tradição, mas a gente tem bonequeiros extremamente sofisticados e reconhecidos internacionalmente, que é o caso do Anima Sonho, que é o caso próprio do TIM, da Família Sena. A gente tem o mais tradicional que a gente tem aqui, é o Grupo TIM, que tem 70 anos. No ano passado, teve alguns aqui da UFSM que foram assistir, que foram ver a exposição lá na UFRGS. É 40 anos de Anima Sonho, que eram os gêmeos, e 70 anos de TIM, de Teatro Infantil de Marionetes, que eles chamam agora só de Teatro de Marionetes. Então, assim, o lastro maior que a gente tem é esta Família Sena, cujo Cacá Sena, que é o neto, a terceira geração, ele participou do... Ai, meu Deus, daquele programa de televisão dos cachorros, a Priscila... Como é o nome do programa? Me ajudem. Esqueci. Bom para cachorro? Uma coisa assim? Tá, mas era o programa de televisão.
Então, ele tem... Além de ele trabalhar com os bonecos tradicionais, que são os bonecos de fio, de luva, ele faz tudo, tudo que tu pode imaginar. Ele ainda tem essa pegada do audiovisual, que são os bonecos para a televisão. Além disso, a gente tem grupos que são extremamente sofisticados porque aprenderam com o Festival Internacional. Então, ele trazia gente do Egito, bonequeiros do Egito, turcos, grupos russos. O que tu imaginar, se tu for pesquisar ali, o que vinha... Eu lembro até hoje, quando fui, tinha essa israelense maravilhosa. Eu até esqueci o nome dos artistas. Daqui a pouco vem. Mas ela entrava em cena com uma roupa toda negra, parecia que era só ela em cena, e daqui a pouco ela ia tirando da costela dela um negócio de espuma, e ela trazia... Ela tirava uma boneca inteira da costela dela e fazia a cena. Foi uma das coisas mais absurdas que eu vi.
O William, no caso, ele tem... Da Tripe Teatro, ele tem uma formação, a maioria deles, inclusive, rodou mundo. E, no caso, chamando aqui o que a Camila trouxe, ele teve essa formação na Espanha com o Paco Paricio e com bonecos tradicionais mesmo que ele trouxe lá da Alemanha e que ele ganhou. São bonecos do século XIX, confeccionados no século XIX. E aí a gente vai ver que tem, por exemplo, na mão, não é aquela mãozinha durinha, os dedos se mexem, porque entre essa parte do dedo e essa aqui tem um couro.
Então, o que a gente diz, geralmente, do teatro no Rio Grande do Sul é nós não temos uma especificidade e essa é a nossa riqueza. Porque aí a gente pode... A gente é extremamente contemporâneo. A gente brinca com várias, várias, várias, várias questões das possibilidades existentes de técnicas, de material, de várias coisas. Então, eu acho que o Rio Grande do Sul é rico em função desse festival. Também tem ali, pertinho, em Santa Catarina, acho que era Jaraguá que tinha esse festival também. E eu acho que vale a pena a gente conhecer um pouquinho, porque a gente tem ótimos representantes, ainda que a gente não tenha essa manifestação pulsa antipopular tão pontualmente.
Ah, eu posso citar alguns. A gente vai ter a Companhia Gente Falante, a gente vai ter a Companhia do Abelardo, a Caixa do Elefante, a Jennifer Guerra, a Altia Teatro, o Anima Sonho, a gente vai ter o Varanda Cultural, a gente vai ter o Grupo de Pernas para o Ar, que eles têm agora uma questão de autônomo e um maquinário junto com as pessoas. A gente tem a Companhia de Teatro Lumbra, que é exímia na questão do teatro de sombras. A gente tem um espaço que eu acho que vale a pena vocês conhecerem, que é o Vale do Arvoredo, é onde tem residências. A gente vai ter o Fábio Coeli, que é um exímio fabricante de máscaras.
E assim, eu acho que a gente tem essa antropofagia. A gente fez vários cursos fora, mas a gente também sabe que essa pesquisa do que é a raiz latino-americana, eu acho que ela é importante. A gente tem, assim, perto aqui, a gente vai ter o curso da UNA, da Universidade de Buenos Aires, em Buenos Aires. E a gente vai ter outros cursos também, que Buenos Aires foi um dos primeiros países que montou um curso de teatro de formas animadas. Eles têm tradição na formação.
Então, aqui no Rio Grande do Sul, a gente precisa ter formação. A gente tem duas representantes que eu gostaria de marcar aqui, já que é uma rede formadora, que é a Tânia e a Grace, que falavam... Se vocês vão ver, tem um artigo, a Moin Moin, a revista Mamulengo. A revista Moin Moin e a revista Mamulengo são duas referências fundamentais para a gente aqui no Brasil, além da Ana Maria Amaral. Essa é clássica nossa. Mas, assim, a revista Moin Moin, ela tem artigos para todas as técnicas, expressões, manifestações que tu puder. E está disponível online. E a revista Mamulengo, ela ficou um tempo sem produzir, mas agora retomou com o Nini Beltrame, com o Miguel Velin, que está na Unirio, com várias outras pessoas que estão ali junto. E também tem temas extremamente atuais sobre isso. Então, o Rio Grande do Sul, eu acho que é essa questão da gente fazer, da gente realmente experimentar, estudar e fazer. Porque a gente tem essa referência, a gente tem essa possibilidade, a gente tem grandes mestres aqui.
Então, um deles até, vou citar que a gente fez agora a aula inaugural da disciplina de Teatro Formas Animadas na UFRGS, que é a Beth Bado, o Nelson Haas, do Bonecos da Montanha, lá em Gramado, e o próprio Ubiratã Carlos Gomes, que é do AnimaSonho. Então, vê o Ubiratã. Trabalhando com o boneco, grande ou pequeno, é uma aula. É uma aula. Então, acho que a gente precisa ter esse acesso a esses artistas que estão há bastante tempo. Então, que ótimo o Willi, que ótimo que Santa Maria está recebendo o William. Essas trocas são extremamente importantes. O William é extremamente generoso. O Paco Paricio, assim, às vezes quando ele acompanha o Paco junto, é muito bom, porque ele ensina muita coisa para a gente.
E a grande característica, eu acho, dos bonequeiros é essa, é ser generoso. As pessoas realmente entregam e fazem uma grande família. Existe. Essa família bonequeira existe. E eu fico muito feliz de fazer parte dela. Fui muito bem acolhida e eu fico muito, muito feliz de fazer parte dela. Eu digo que eu não sou bonequeira, mas que eu sou pesquisadora, mas que eu brinco junto. Eu brinco bastante. É isso.
Duane, beijo, Duane.
Tayná:
Gente, a gente tem mais uma pergunta aqui do Rubem Lousada. É uma honra ter ele participando aqui da nossa live. Eu queria direcionar a pergunta para a professora Camila, assim, em relação ao teatro de boneco, para o público infantil, só para o público infantil, para todos os públicos, que tu falasse um pouco sobre isso, prof.
Camila:
Beijo, Rubinho! Bora bonecar, bora bonecar! Rossana, tu pode me ajudar a responder essa pergunta, inclusive, Rossana. Claro, claro. Rubinho, não é só para criança, absolutamente, não. O boneco, gente, é para qualquer... É a mesma coisa de dizer assim... Às vezes, por exemplo, a gente tem um... Vou falar da minha experiência de atriz, tá? Tem espetáculos que eles estão... Que não são dos clássicos, de contação de histórias, por exemplo. Contação de histórias. Todo mundo diz assim, qual é a faixa etária? É para criança? Talvez seja o nosso público mais assíduo, tá? Mais a contação de histórias é para todo mundo. Os bonecos é para todo mundo. Não é direcionado só para o público infantil, né? Não tenho... Por favor, não... Não tenho esse equívoco no pensamento. Não é para criança, não é só para criança.
Talvez o caminho que a gente percorreu na Sacarrolhas foi esse, porque tinha algo que nos levava para isso, né? Pulsou para a companhia, a partir do teatro que a gente já... A nossa companhia já tinha essa característica de ser uma companhia que o carro-chefe era o teatro infantil, teatro para crianças. E aí a gente foi buscando, dentro da linguagem infantil, elementos que nos ajudariam a contar essas histórias que a gente gostaria de contar. Nos ajudariam a... A chegar nesse produto que era tanto os clássicos quanto as contações de histórias, os espetáculos contemporâneos que a gente já contou, né? Esses elementos que nos ajudariam a contar. Essas outras linguagens que se agregariam àquilo que a gente estava querendo passar. Mas, no nosso caso, no nosso caso, Sacarrolhas, né? Mas o teatro infantil, os bonecos, gente... Essa experiência que eu tive agora mais recente, que foi agora em novembro do ano passado, com a Tripe Teatro, foi isso. Era adulto, gente... Foi incrível o espetáculo. Incrível, né? E o público era adulto. Todo mundo foi para assistir. Então, assim, é um pouco equivocado achar que os bonecos é somente para crianças. É o contrário. Acho que até tem um pouco mais de refinamento aí, né? Que, às vezes, as crianças não vão entender, mas os adultos, com certeza, sim. Pergunta, Tayná. A Rossana... Não, pergunta. Eu acho que a Rossana poderia ajudar nesse sentido, né, Rossana?
Tayná:
Eu vou encaminhar essa, então, para a Rossana. O Rubinho está falando aqui. Baseado na fala de vocês, mais uma provocação. Por que vemos tão pouco teatro, na linguagem de bonecos, para os adultos? Por que parece que, hoje, a gente tem mais um investimento de teatro de bonecos para a criança e para o público infantil?
Rossana:
Querido, Rubinho, aqui a gente tem uma professora que é a Camilla Bauer e que ela montou o Chapeuzinho Vermelho do Pomerá. E aí, a proposta dela era a apresentação de tarde para o público infanto-juvenil e à noite para o público adulto. E é uma chapeuzinho vermelho que, inclusive, ganhou uns prêmios, mas é uma chapeuzinho vermelho que não subestima as crianças, sabe? E que coloca os adultos no seu lugar de inquietação, e trabalha muito forte com essa questão da máscara e tudo mais.
Eu acho que existe um esforço nosso aqui de não deixar que isso permaneça só no público infantil. E eu acho que isso já é uma coisa que está começando a acontecer. Já está tendo aqui no Rio Grande do Sul algumas movimentações nesse sentido. E a Camilla Bauer, com o Chapeuzinho Vermelho do Pomerá, eu acho que é um exemplo disso. Mas ainda assim, a gente tem, assim como o teatro infantil, a gente tem uma longa estrada nesse sentido. De retomar, não sei em São Paulo como é que anda isso, a gente tem o Sobrevento aí em São Paulo, a gente tem essas outras possibilidades, é agora que me ocorre, a gente tem o Me Vi te Vendo, que era de Santa Maria, uma galera de Santa Maria que também está em São Paulo agora.
Mas eu acho que a gente tem várias manifestações que estão rompendo com essa ideia de que, o Nini Beltrame fala muito isso, eu acho que a gente já está conseguindo chegar em um lugar que é bem da parte do teatro contemporâneo mesmo, em que essas formas coexistem. Elas não vão deixar de existir especificamente para o teatro infantil, mas elas vão coexistir. E, se não me engano, é a Mabilis, de Jesus, que tem um trabalho sobre uma obra alemã sobre o nazismo, que agora se tu lembrar, Rubinho, tu me diz, que eu não vou lembrar o nome agora do grupo que montou, mas que é extremamente forte, que é sobre o nazismo, e é para adulto, tipo assim, não tem como uma criança assistir aquilo.
E exatamente por ser boneco, a coisa se torna muito mais impactante do que se fosse com atores. É uma peça que tira a gente do lugar... A gente vai ter junto com a Natasha Belova também, a Chayka, que aí eu trabalhei... A Natasha é uma grande mestra minha, que montou ali com a Chayka, e a gente fica pensando assim, quais são as possibilidades? Eu particularmente gosto muito dessa proposta que a Camila traz, que é um espetáculo para todos os públicos, que não poupa ninguém nesse sentido, mas que oferece para todos uma possibilidade de fruição. E eu quero já dizer, de pronto, que o Rubinho é o grande responsável por grande parte do acervo que a gente tem na Mili Micro Nano Pico, os bonecos dele é o que compõe o nosso acervo, e o Rubinho é um grande mestre de construção e de atuação com bonecos.
Queria muito te ouvir também, Rubinho, que seria bem interessante se estivesse aqui. Enfim, além de ser extremamente generoso, o Rubinho é essa pessoa extremamente talentosa que faz bonecos incríveis, incríveis! Então agradeço imensamente. Rubinho, querido, um abraço!
Camila:
Queria agregar aqui a fala da Rossana, que tem outro espetáculo, por exemplo, Rubinho, falando de teatro para adulto. Eu assisti um dos espetáculos que, eu tento até me desvincular dele, mas é um espetáculo que nunca mais saiu da minha cabeça, que é A Tecelã, da Caixa de Elefante, da Companhia Caixa de Elefante. Gente, o espetáculo é mágico, é ilusão o tempo inteiro, e é um espetáculo para adulto. Criança jamais vai se conectar porque o tempo também é outro, são tempos mais alargados. E é de Porto Alegre, né, o grupo. Então teve uma época que a Caixa de Elefante vinha muito pra Santa Maria. E eles tinham, né, inclusive uma bicicleta, acho que era um triciclo que abria a caixa pra criança, mas é aquele pra criança, sabe? Não há adulto que não... Se coloca o espetáculo, eu sempre penso, se bota o espetáculo e não classifica em faixa etária, será que poderia dizer que aquilo ali é um teatro para criança? Tudo que vai mexer com o imaginário, com algo que não está assim numa primeira camada, né, com algo ligado a uma ilusão, algo que é mágico, que me tira desse universo e talvez que me conduza para um outro lugar, isso está valendo.
Então, assim, eu acho, eu particularmente falo que é teatro infantil porque realmente às vezes a gente investia nessa figura, o próprio cenário pictórico, gente, né? A gente tem as limitações que tem, então por isso que ele acaba tendo a sua característica, mas eu sempre vou achar que o teatro tem que ser pra todo mundo. Eu acho os musicais, por exemplo, que eu participo, o Jardim de Cataventos, o Barquinho de Papel, que esses ainda estão em vigência, o Brasil Criança, sempre me perguntam qual é a faixa etária, eu digo que é livre pra todo mundo, porque envolve música, envolve história, envolve teatro, por que a gente vai classificar? E realmente quando a gente abre a um público, é pra família, todo mundo está ali pra assistir. E eu não conecto menos, os adultos não se conectam menos comigo porque é pra criança.
Então, assim, essa é a percepção que eu tenho como atriz, nos exercícios que a gente faz, quando a gente se debruça pra criar os espetáculos, eu acho que isso é soberano nas nossas decisões.
Rossana:
Não, só pra dizer, da Carol, que é o mesmo da Tecelã, que a última peça dela é com o Abitibi, que ela tem aquele trabalho de corpo fenomenal, que chega uma hora que tu não sabe quem é ela e quem é a boneca. Ela trabalha nisso, e esta peça que é o Abitibi tem direção do Paulo Ballardinho e cenografia de Elcio Rossini! Maravilhoso! Então, ele trabalha com os infláveis, e esse não é pra criança. Essa é uma peça realmente, também não chega a ter restrição, mas o tema é a morte. Então, acho que o Rio Grande do Sul está ainda promovendo, ele ainda consegue promover essas outras possibilidades. E é a mesma Carol que trabalha com a questão dos mamulengos, junto com o Victor, do mamulengo do Café Zau. Então, é a mesma artista que trabalha tanto com uma vertente tradicional, quanto com uma outra possibilidade dessas que não é exclusiva e fechada para o universo infantil.
Camila:
E porque, Robinho, aqui vou falar a nível de Santa Maria, então, a gente que começou lá em 2003, a gente foi para o teatro infantil primeiro por afinidade, porque a gente gostava de trabalhar. Gostou durante esses 20 anos de trabalhar para esse público. Mas uma decisão, foi uma decisão muito, o que foi determinante para a gente permanecer e aí sim agregar os bonecos, trabalhar as adaptações, enfim, tudo o que veio depois é porque a gente conseguia girar e viver, receber com o teatro infantil. Então, o teatro infantil, a gente tinha espetáculo adulto, na época. A gente vendia 20 vezes mais os infantis do que o adulto. Estava no nosso cardápio. Aí tu disse, por que não vende o adulto? Vou falar a nível de Santa Maria, interior do Estado. E a gente oferecia, naquela época, na mesma proporção os espetáculos adultos e os infantis.
E aí a gente começou a ver que tinha o contrato, era bem isso, era 20 vezes mais. A gente apresentava o mês inteiro o espetáculo infantil e às vezes um, ou nenhum espetáculo adulto. Então, para essa realidade, por isso que a gente voltou mais atenção para o teatro infantil e para ir agregando ao teatro infantil todas essas outras linguagens e possibilidades. Então, para nós foi assim. A gente não explorou mais para adulto os bonecos, porque na conjuntura não eram mais vendáveis. Só por isso. Só por isso, tá? E na época, a gente começou a dedicar realmente o tempo da companhia para isso. Mas poderia ser diferente. Eu já fico com desejo de parar tudo que eu estou fazendo agora e correr para uma formação. Eu já digo, quero fazer! Quero fazer! Quero fazer! Que saudade de estar atuando, que saudade de experimentar coisas novas.
Tayná:
A gente já está aqui a uma hora e trinta conversando e poderia ficar muito mais tempo. Das perguntas que eu fiz, eu nem pude fazer a metade para vocês. Eu vou fazer mais uma para a gente encerrar. A gente tem um teto aqui, até com o pessoal da interpretação de Libras. E eu queria dizer que a gente falou de teatro de formas animadas, a gente falou de fãs, a gente falou de teatro e falou um pouco, não tanto, sobre educação. Então a minha pergunta seria focada nessa questão da educação.
Quais os desafios que vocês enxergam para a gente unir o teatro de formas animadas, colocar lá dentro da sala de aula, colocar, independente das séries, no início formativo, lá para o fim. Quais os desafios que vocês enxergam hoje para os estagiários que estão indo ou até para os pedagogas que já estão formadas. Enfim, é isso.
Rossana:
Posso começar. Eu agora não enxergo desafios, eu agora só enxergo potencialidades. É só a possibilidade realmente de trabalho e uma coisa que é o que me fez fazer a tese na realidade. Então acho que eu vou ir por aí. Convido todos a ler, porque quando eu estava dando aula para pedagogia, eu já trabalhava com teatro de formas animadas e outras coisas, mas foi a pedagogia que me fez, o curso de pedagogia que me fez me voltar mais fortemente para isso. E eu fico bem feliz quando eu leio a Isabel Marx, por exemplo, que é da dança, que ela fala que foi quando ela começou a dar aula para pedagogia que ela resolveu trabalhar mais seriamente a dança. Então foi quando eu comecei a trabalhar com a pedagogia que eu resolvi pesquisar e trabalhar mais seriamente sobre o teatro de formas animadas.
Então, o que acontecia muito? Existe uma massificação, assim, né? Eu entendo, assim, por cansaço, por várias questões e era noturno elas apareciam com a Cinderela da Disney cravada no churrasquinho, lá no espeto de churrasquinho e contava a história ali com essas coisas que eram facilmente pegáveis da internet, sabe? E aquilo me incomodava, eu pensava assim, bom, eu não posso só me incomodar e não fazer nada, né? Vamos ver o que eu forneço de repertório, de referência. Então, acho que eu e o Rubinho, a gente mais ou menos congrega isso também, assim, a importância da gente conhecer as técnicas do teatro de animação. Até para quem quer ser ator, assim, essa função da formação ela é tanto para ator quanto para professor. Então, se eu não tenho um repertório estético que me ajude, que me agrega, eu não vou conseguir sair de um consenso comum que geralmente é uma cultura massificante.
E essa cultura massificante as crianças não precisam ter, por exemplo, mais Disney, o Paco Paricio do William ele diz exatamente isso, assim, quando ele apresentou a fábula da raposa e as uvas, ele fez uma leitura sobre isso, a montagem da companhia do Paco Paricio, né? E aí a raposa que ele apresenta, quando ele conversa com as crianças depois, ele estava comentando sobre isso. Quando as crianças, quando ele mostra a raposa, ele diz assim, ah, não vem nenhum personagem da Disney, vem a raposa. E é isso que ele quer, ele quer exatamente que se mostre outras histórias, né? E que as crianças possam então dialogar com outras referências, outras formas de possibilidades.
Dali é que eu vejo a importância. Porque, assim, o boneco, ele já está na pedagogia. Ele já está lá. Ele está lá na hora do conto, ele está lá na caixa de brinquedos, ele está lá como um suporte mesmo para o brinquedo. Então não é uma novidade o boneco na pedagogia. A questão é como que ele está lá. Daí que vem, assim, essa importância da gente conhecer essa multiplicidade de técnicas, de materiais, de experiência com teatro de formas animadas. Porque senão não tem, né? Não vai abranger, não vai alargar. A gente sabe que experiência estética é uma experiência que ela faz tu ampliar um ponto de vista e que tu não consegue mais retornar ao ponto anterior. Tu amplia a partir dali. Então, assim, não é que era errado ou é certo. A gente faz o que a gente consegue fazer, mas a partir do momento que tu tem essa experiência, dificilmente tu vai conseguir reduzir isso de novo para fazer um procedimento reprodutório de algo, de alguém que criou.
Isso tem a ver com educação. Tu vai começar a ter um processo criativo autêntico, autoral. E aí não tem... Isso é importante por quê? É difícil porque te tira de um espaço confortável, onde a gente só imita, mas te coloca num espaço onde é tu é tu que tem que criar. E a gente vê a dificuldade que é isso quando a gente começa a criar. Eu vejo por mim, assim, quando eu estou começando a criar um boneco, quantas referências aparecem até eu conseguir gestar isso, né? E esse procedimento de pensar a personagem, criar o boneco, pensar pra que ele serve. A Beth Bado tava falando sobre isso, né? Não é só pegar e criar um personagem. Geralmente, assim, quando a gente cria o boneco, ele é bem específico pra uma coisa. É muito difícil a gente reaproveitar personagens, os bonecos, pras outras coisas. Então, é muito mais do que só aprender técnica. Não é só, ah, então eu aprendi que a técnica aqui vira pra cá, técnica oriental, eu jogo o boneco pra cima e encaixo de novo. Não é só isso, né? É uma experiência que tu vai ter de criação com o material que junto com essa possibilidade da educação, acho que amplia absurdamente um campo teu de senso cultural, de identidade cultural.
E outra coisa que, uma das funções que eu acho que o boneco pode, assim, ajudar muito nas épocas atuais é um exercício de presença. Porque a gente tá tendo um treinamento dissociativo, assim, absurdo. A gente tá toda hora no celular e alguma coisa. Então, esse exercício dissociativo, ele tá nos atropelando. A gente tá sempre treinando pra estar dissociado. A gente tá aqui, mas a gente tá ali, e o boneco, ele é um exercício de presença. O Nini fala sobre isso, assim, é uma atenção concentrada. É um exercício de atenção ali, seja no momento da criação, seja no momento de animar o boneco.
Como é que a gente trabalha com isso? Então, a questão da educação, ela vai muito mais além do que aprender boneco, aprender a história do boneco. Ela passa por uma experiência mesmo, assim. E eu convido mais uma vez pra ler a minha tese. Eu acho que tem bastante tópicos a ler que são princípios de experiências que eu acho que pode servir como possibilidades didáticas que tá longe de ser regrinha e tá longe de ser receitinha. É exatamente a possibilidade de um material didático maleável, mexível.
E só pra concluir, assim, agora, mais uma vez, a Beth Bado, mestra maravilhosa, mas ela mostrou, assim, pra gente agora na aula inaugural, bonecos que ela construiu com uma turma de quinta série. E os bonecos eram fenomenais! Eram geniais! Eram bonecos, assim, aí tu via ali no meio tinha uma tampinha de garrafa, um copinho de café, mas, assim, da maneira como eles articulavam a tampinha de garrafa, era de uma preciosidade, assim, era de um refinamento estético que, olha, vou te falar, é muito lindo de ver isso. Então, tá pra além mesmo, tá pra além de aprender técnicas, tá realmente pra um espaço de criação, abrir esse espaço de criação. O boneco é de pura potência nesse sentido, pra educação.
Tayná:
Camila, tem alguma coisa pra acrescentar?
Camila:
Ai, sempre abrem muitas brechas, né, pra gente falar, mas eu acho que em linhas gerais a Rossana responde bem essa pergunta, né? Eu concordo com o pensamento dela. O boneco, ele é muito potente dentro do espaço da educação, acompanhando os estágios, a gente percebe que os estudantes que propuseram trabalhar com a criação, realmente, as crianças são infinitamente mais criativas do que a gente pode imaginar.
Então, realmente os bonecos vieram lindos quando duas estudantes já fizeram essa proposta de trabalhar com um. E tu, né, Tayná? Tu no teu estágio também propôs trabalhar com bonecos, e a gente vê como eles são criativos, tanto pra criar com os bonecos já prontos que a gente leva, mas também para criar os bonecos, a partir de materiais diversos. Então, eu vejo dessa maneira também como a Rossana fala, eu acho que agora é só investir mais, desafiar mais os professores que estão em campo e os que virão, pra que trabalhem cada vez mais as formas animadas dentro do espaço da escola. É se apropriar mesmo disso.
E eu concordo com essa questão de ampliar, ampliar sempre o repertório. Essa é a palavra que eu mais falo em aula, ampliar repertório. Claro que o recorte da companhia, nós sempre tínhamos por trás uma produtora que contratava o espetáculo. Então, é claro, como nós éramos uma companhia de artistas, a gente fazia os espetáculos que fugiam dos clássicos, mas a gente montou muito clássico também, montamos muitos clássicos infantis por uma necessidade da contratante, por uma necessidade da produtora que chegava, que fazia esse pedido fechado pra gente. Então a gente produzia aquilo que ela solicitava.
Mas pra além disso, realmente eu sou sempre favorável a ampliar repertório. Eu acho que sair desse senso comum das histórias que todos conhecem é maravilhoso. Um exemplo disso foi a criação do próprio Macaco Malakias, da história do Kombão de Histórias. A gente foi criando uma versão do Kombão foi toda voltada pra fábulas, a segunda foi toda criada pra histórias que a gente contou em diferentes estados do Brasil, e outra foi a nível regional. Então a gente teve três versões no espetáculo, com histórias diferentes. A gente falava, Kombão II ou Kombão III.
Então assim, e pra além disso sempre ampliar repertório. Eu penso isso em relação a todas as linguagens. O que a gente apresenta de música pras crianças? É sempre o que a gente ouve na rádio? Aí a gente vai entrar numa outra questão que é isso, né? O diferente eu acho chato, eu acho ruim, porque eu só tô acostumada com uma fora. Que talvez seja o batidão, que talvez seja um tempo mais rápido que é o tempo da internet, o tempo dos desenhos animados. É o que a gente vê atualmente, as crianças meio que na televisão, né? Eu fico impressionada. É a velocidade, é um monte de imagem, um monte de cores, a imagem troca muito rápido, então é aquela excitação o tempo inteiro.
Criar uma outra lógica, criar um espaço mais alargado, e que às vezes o teatro traz isso, é isso que é a beleza da vida, então mostrar o que é diferente. Eu acho que nós enquanto professores temos esse compromisso dentro da escola, é mostrar o diferente, porque aquilo que tá na televisão, aquilo que tá na internet, de desenho, aquilo que sempre se conta, esse é o comum, essa é a primeira camada. Eu acho que a gente pode dar um mergulho mais profundo aí, e mostrar, ampliar possibilidades para as crianças.
Tayná:
Muito obrigada, professoras, eu agradeço de todo o coração a disponibilidade de vocês aqui. Eu aprendi muito, eu acredito que as pessoas que acompanharam também. E a gente segue com o Peirô, ao longo desse ano vão ter muitas outras iniciativas e ações voltadas para o Teatro de Formas Animadas, a gente se encaminha para o fim dessa transmissão.
Eu convido também para seguirem as redes sociais do nosso coletivo, tá começando, @ColetivoPeirô, as redes sociais desse projeto, que se chama @RedeFormativa, que faz parte do coletivo, e essas são as nossas duas redes sociais no momento. E é isso, muito obrigada mais uma vez, e a gente segue junto pelo Teatro de Formas Animadas, pela educação, e por tempos cada vez mais promissores para a nossa área.
Obrigado por nos acompanhar aqui.
Siga-nos em nossas redes para não perder nada.
Até a próxima!































































































































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