Dar forma ao encontro: aproximação, pesquisa e construção de bonecos como experiência
- projetopeiro
- há 4 dias
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Texto de tayná Lopes
Trabalhar em um laboratório de pesquisa e criação teatral com bonecos e as demais formas animadas é passo a passo percorrer uma caminhada de desafios, coragem para experimentar e muita paciência, onde cada criação exige observação, troca, escuta, desapego ao perfeccionismo e principalmente disponibilidade para o erro, até encontrarmos, então, (depois de muitos e muitos dias, mesmo!!) o acerto.
A construção de bonecos teatrais é um ofício minucioso, demanda tempo: tempo criativo, tempo de construção, tempo do material utilizado secar, agir, colar, misturar etc, em compensação os processos, os aprendizados vividos e o que surge deste tipo de arte, ou seja, o resultado: o boneco, a forma animada enfim… são únicos, porque nada substitui a arte que nasce das mãos, os detalhes imperfeitos, a profundidade, as marcas, a humanidade, a presença de cada pincelada, costura, colagem, de cada gesto… fica eternizada na estética do boneco criado.
Pra quem não conhece a linguagem do teatro de formas animadas, ela se faz a partir das manifestações cênicas que utilizam objetos, bonecos, máscaras entre outros exemplos. É uma linguagem que vai além do fantoche tradicional, explora técnicas diversas como os bonecos de vara, as sombras, as marionetes, os bonecos híbridos até o uso de objetos e materiais do cotidiano: como sacolas, lenços, colheres, eletrônicos etc. Uma linguagem plástica e poética que dá vida, movimento e alma a aquilo que é inanimado.
A imersão no universo das formas animadas sempre foi um desejo que pulsava forte no Ander e na Ana (integrantes do nosso grupo)! As possibilidades infinitas, mágicas e encantadoras dessa arte acessadas por meio da internet, por meio de referências e inspirações pós assistir espetáculos presenciais, por exemplo, alimentava neles dois, a cada dia, o desejo de trabalhar com essa linguagem. Já pra mim, Tayná, esse tipo de arte sempre pareceu mais distante: cortar, moldar, colar, costurar, desenhar? Nada disso! Eu sempre dizia: “não tenho habilidades manuais”. Um campo até então inatingível pra mim, dizia ter 0% de técnica para trabalhar com tal linguagem, mas me pus disposta a experimentar, mesmo insegura, mesmo achando difícil, mesmo pensando que ficaria abaixo do esperado.
Eis que a verdade que descobri é simples: tudo se aprende nessa jornada, e o primeiro passo é ter coragem e confiar no processo. A sensação de ver materializado em frente aos meus olhos o que criamos do 0 com as próprias mãos é indescritível, é realizadora, é algo que preenche a gente. Por isso digo que a arte dos bonecos nos ensina muito mais do que técnicas de pintura, escultura, costura, recorte ou colagem, ela ensina ousadia, autoconfiança e o valor do risco.

O trabalho manual e criativo flui de maneiras distintas pra cada pessoa, no nosso caso, isso se refletia na dinâmica da equipe: éramos e somos três, atravessando diferentes fases. No nosso cantinho de criação tínhamos rituais: listas, limpeza, organização, música, silêncios, desabafos. Quem trabalha com arte e o trabalho manual sabe o quanto através deles se mobilizam dores, memórias e sentidos que abrem caminhos de escuta e troca com o outro e consigo mesmo. Nesse movimento, encontramos também lugares de pausa, cuidado e reorganização interna, às vezes vividos de forma solitária, outras vezes de maneira coletiva.
Na construção dos nossos bonecos tivemos momentos em que a concentração se tornou tão profunda que o tempo pareceu suspenso. Mãos trabalhando, olhar afinado e respiração discreta. Os problemas do mundo lá fora? distantes, dando uma folga pra cabeça.. Já em outros instantes, o fazer manual se transformou em espelho, refletiu, gritou o que por vezes a gente queria esquecer, se deu como metáfora de questões existenciais da nossa vida:
A papietagem que não acabava nunca, nos ensinando a ter resiliência, mesmo depois de meses trabalhando
A estrutura que teimou em cair, quebrar, romper, descolar… pedindo, quem sabe, que recalculássemos a rota, que desapegassemos da ideia, que começassemos novamente.
A massa precisando ser feita, moldada e secada nos exigindo paciência, calma.
Criar é, assim, um gesto de acolhimento: de si, do outro e de tudo aquilo que se atravessa, se reconhece e se transforma ao longo do processo, num jogo que tenta equilibrar a delicadeza e a insistência.
ALGUMAS DAS CENAS
Uma de nossas primeiras e mais desafiadoras cenas criadas foi a partir de gelecas, as famosas amoebas, acreditam? Criamos a cena "O MELECOSO", onde gelecas coloridas ganharam vida como personagens para contar a história criada. A escolha desse material do cotidiano das crianças, revelou nosso foco em buscar formas de expressão a partir de materiais diversos, divertidos, de fácil acesso e que mobilizassem a atenção das crianças. Viram? o céu é o limite, até as gelecas podem ser teatro de formas animadas. A narrativa dessa cena foi desenvolvida a partir de uma dinâmica de improviso guiada pelo diretor (Anderson) e desenvolvida pelas atrizes (Ana e Tayná), onde de forma oral contávamos uma história livremente, quando a colega parava a outra continuava - chama-se: construção de história coletiva. Depois de termos a narrativa base, pensamos na materialidade. Qual objeto para dar vida a essa história? Quais elementos? Decidimos que seriam as amoebas.
Sinopse: O Melecoso
O Melecoso é uma cena elaborada a partir da utilização de um slime/geleca, com técnica de manipulação direta. A narrativa apresenta a história de Melecoso desde seu nascimento, sua vontade de se esparramar e o estranhamento que isso causa nas outras melecas, que tem como destino viver em potes. Será que as crianças podem ajudar o melecoso a se esparramar pelo mundo?
Já a busca por leveza e movimento nos levou a outra criação: uma cena de teatro de formas animadas onde o material base foi sacolas plásticas usadas, sacolas de mercado. No início experimentamos livremente um trabalho corporal cênico com as sacolas. Criamos movimentos e conexão com o corpo e com as sacolas e uma com a outra (atrizes). Algum tempo depois, após outros encontros de trabalho, já tínhamos uma narrativa com começo, meio e fim, dois personagens e estruturas que acompanhavam os plásticos, incrementando os bonecos, um, um boneco de vara, o outro inspirado em pipas chinesas e japonesas. Nasceram então: o Fantasma e o Monstro do Vento. A fluidez do plástico foi essencial para uma cena que trazia como personagens: o vento e o fantasma como foco.
Sinopse: Ventania
Ventania explora diferentes sensações a partir do ar e do vento. Pensando em grandes proporções, a cena é para apresentações em espaços externos, utilizando manipulação direta. Combina cataventos, bolhas de sabão, guizos e bonecos de sacolas plásticas. Traz a história de amizade, encontro e desencontro entre o simpático fantasma e o Monstro do Vento.
Na sequência começamos a trabalhar com Bonecos Híbridos, que são bonecos manipulados por atores e atrizes onde metade do corpo do boneco é o corpo do ator e a outra metade é do boneco. Para tal utilizamos um recipiente de sabão líquido ou amaciante de plástico duro. Cortamos, forramos com tiras de papelão, preenchemos as partes vazias com jornal, aplicamos bolinhas de isopor para serem os olhos. Logo depois papietamos com jornal, depois papietamos com papel toalha para dar mais textura aos rostos dos nossos bonecos, depois aplicamos aos poucos uma massa feita de cola e caixa de ovo batida no liquidificador para trazer mais textura ainda e resistência. Na sequência pintamos e fomos adicionando os detalhes finais aos bonecos, cada cor, traço, detalhe trazendo vida e personalidade. O corpo dos bonecos foi feito de papelão e espuma!
Sinopse: Plantar-se
Plantar-se traz variados aromas a partir de um boneco-planta, que semeia e planta em si mesmo diferentes ervas aromáticas, como alecrim e manjericão.
Sinopse: Vovó Domingas
Vovó Domingas é a expressão da experiência a partir da memória. Traz a vida a tataravó da criadora da cena através de um boneco híbrido, nos colocando em conexão com o passado, com o íntimo e particular. Quem somos? De onde viemos? O que disso tudo ainda persiste em nós? Aborda o cotidiano, a solidão em meio a tantas pessoas e os ritos de uma mulher indígena guarani morando longe da aldeia.
Ao longo desses dois anos de laboratório de pesquisa e criação com o Peirô, exploramos também o Teatro Lambe-Lambe, um formato de teatro em miniatura que acontece dentro de uma caixa. Nele, o espectador assiste individualmente à cena através de um ou de varios pequenos visores, criando um universo íntimo e pessoal. Nossas criações de Lambe são a cena "Todo dia” e a cena “Como uma tartaruga ”
Sinopse: Todos os dias
Combinando a técnica de teatro de lambe-lambe e teatro de objetos, essa cena nos apresenta a rotina de um humano e sua chegada em casa após um longo dia de trabalho, encontrando seu gato. Elaborado a partir de uma estética “gatificada”. Essa cena possui uma narrativa sonora que possibilita a completa compreensão da história de forma independente da visualidade.
Sinopse: Como uma tartaruga
Uma grande tartaruga (a casa de espetáculo) é um universo, que dentro de si contém o caos da rotina, o esgotamento, a corrida para dar conta das demandas e a repetição sem fim. Sons, cheiros, luzes e cores ajudam a compor essa agitação, revelando, finalmente um caminho pra calmaria. Uma cena de manipulação direta.
Agora, depois de toda essa leitura acredito que deu pra notar que nosso teatro de formas animadas não é nada convencional, buscamos materiais diversos, de fácil acesso em meio ao nosso cotidiano: plástico, papelão, amoeba, caixa de ovos e jornal por exemplo, e é por isso que todo processo se torna extremamente artesanal, demorado, único e mais difícil do que se trabalhássemos com materiais mais comuns e praticos. Nos desafiamos demais, queremos fazer diferente, é da nossa essência como coletivo!! E o que nos faz dispostos a viver tudo isso é o encanto que surge ao vermos a forma animada composta que antes era apenas objetos aleatórios, mas agora, forma um personagem que tem vida, que se revela no jogo cênico com personalidade, voz, corpo, história, surpresas e se dá como um disparador para encontrarmos enquanto artistas novas maneiras de estar em cena, de contar histórias e de se relacionar com o outro.
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Até a próxima!

















































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